
O desejo nao gostaria de entrar na ordem incerta do discurso, naquilo que ele tem de peremptório e decisivo;
a instituição vigia o aparecimento do discurso, concede-lhe um lugar e um poder, honrando-o e desarmando-o;
desejo e instituição inquietam-se face àquilo que o discurso é na sua realidade material de coisa pronunciada ou escrita;
em toda sociedade, a produção do discurso é controlada, selecionada, organizada e redistribuída, através de certos procedimentos;
em nossa sociedade, o procedimento de exclusão mais evidente e familiar é o interdito;
tabu do objeto, ritual da circunstância, direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala;
o discurso não como elemento neutro ou transparente no qual a sexualidade se desarma e a política de pacifica, mas o contrário;
os interditos que atingem o discurso revelam o seu vínculo ao desejo e ao poder;
o discurso não como o que manifesta (ou esconde) o desejo, mas como objeto de desejo;
o discurso não como o que traduz as lutas ou sistemas de dominação, mas aquilo pelo qual e com o qual se luta;
o discurso como poder;
em nossa sociedade, outro princípio de exclusão, além do interdito: partilha e rejeição; ex.: o louco, reconhecido através de suas palavras;
a partilha, longe de ter se apagado, exerce-se através de novas instituições (médicos, psicanalistas);
partilhas arbitrárias ou organizadas em torno de contigências histórias;
partilhas não se exercem sem constrangimento ou, pelo menos, sem um pouco de violência;
qual o tipo de partilha que rege a nossa vontade de saber?;
com os gregos, no séc. VI, o discurso verdadeiro, pelo qual se tinha respeito e terror, era o discurso pronunciado por quem de direito e segundo o ritual requerido;
com os gregos, no séc. V, chegou o dia em que a verdade se deslocou do ato ritualizado de enunciação, eficaz e justo, para o próprio enunciado;
o sofista, grécia antiga, foi encurralado, quando o discurso verdadeiro deixou de ser o valioso e desejável;
a partilha histórica deu à nossa vontade de saber a sua forma geral, mas esta não deixou, porém, de deslocar-se;
as grandes mutações científicas podem ler-se como aparecimentos de novas formas de vontade de verdade;
na viragem do séc. XVI para XVII, sobretudo na Inglaterra, apareceu uma vontade de saber que concebia planos de objetos possíveis;
a vontade de verdade apóia-se numa base institucional, sendo reforçada e reconduzida por práticas como a pedagogia, por exemplo;
a vontade de saber é reconduzida pela maneira como o saber é disposto numa sociedade;
"a aritmética é tratada nas sociedades democráticas, porque ensina as relações de igualdade, mas a geometria apenas deve ser ensinada nas oligarquias, dado que demonstra as proporções na desigualdade."
a vontade de verdade apóia-se numa base e numa distribuição institucionais;
a vontade de saber, em nossa sociedade, exerce sobre os outros discursos uma espécie de pressão e certo poder de constrangimento;
o que está em jogo na vontade de verdade, na vontade de o dizer, de dizer o discurso verdadeiro são o desejo e o poder;
não vemos a vontade de verdade enquanto prodigiosa maquinaria destinada a excluir;
interdito, partilha, rejeição exercem-se, de algum modo, a partir do exterior e dizem respeito à parte do discurso em que estão implicados o poder e o desejo;
nos procedimentos internos, são os próprios discursos a exercerem o seu controle;
os procedimentos internos de exclusão tratam de dominar a dimensão acontecimental do discurso;
em nossa sociedade há um desnível entre os discursos;
existem discursos que são ditos, ficam ditos, e estão ainda por dizer: são os textos religiosos ou jurídicos, aqueles que possuem o estatuto "literário" e, em alguma medida, os científicos;
não há a categoria dos discursos fundamentais ou criadores, dada de uma vez para sempre;
há muitos textos maiores que se dispersam ou desaparecem, e há comentários que por vezes vêm ocupar o lugar primordial;
o comentário tem o papel de dizer, finalmente, aquilo que estava, silenciosamente, articulado no texto primeiro.
o comentário exorciza o acaso do discurso;
entende-se autor como princípio de agrupamento do discurso, como unidade e origem das suas significações, como lastro da sua coerência;
a função necessidade do autor variou ao longo do tempo;
as disciplinas são um outro princípio de limitação;
uma proposição tem de passar por exigências - estar no "verdadeiro" - para pertencer ao conjunto de uma disciplina;
as regiões do discurso não estão todas igualmente abertas e penetráveis;
o ritual define as circunstâncias e todo o conjunto de sinais que devem acompanhar o discurso;
as "sociedade de discurso" têm por função conservar ou produzir discursos;
já não existem "sociedades de discurso" com este jogo ambíguo do segredo e da divulgação;
mesmo na ordem do discurso verdadeiro, publicado e liberto de todo o ritual, exercem-se ainda formas de apropriação do segredo e de não-intermutabilidade;
a pertença doutrinal põe em causa ao mesmo tempo o enunciado e o sujeito falante, e um por intermédio do outro;
a doutrina liga os indivíduos a certos tipos de enunciação e interdita-lhes, por conseguinte, todos os outros;
todo o sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos;
um sistema de ensino não passa de uma ritualização da fala, uma qualificação e uma fixação dos papéis dos sujeitos falantes;
os temas da filosofia vieram responder a jogos de limitação e exclusão ao proporem uma verdade ideal, enquanto lei do discurso, e uma racionalidade imanente, enquanto princípio de seu encadeamento;
o sujeito fundador está encarregue de animar diretamente, com as suas pretensões, as formas vazias da língua;
as coisas murmuram já um sentido que a nossa linguagem apenas tem de erguer;
o discurso nada mais é do que o reflexo de uma verdade que está sempre a nascer diante dos seus olhos;
ao ser colocado na ordem do significante, o discurso anula-se;
interrogar a nossa vontade de verdade, restituir ao discurso o seu caráter acontecimental e abandonar a soberania do significante;
os discursos devem ser tratados como práticas descontínuas que se cruzam, que às vezes se justapõem, mas que também se eignoram ou se excluem;
não devemos imaginar que o mundo nos mostra uma face legível e que temos apenas de decifrá-la;
o discurso é uma violência que fazemos às coisas;
a partir do discurso em si, do seu aparecimento e da sua regularidade, ir até às suas condições externas de possibilidade;
os discursos devem ser tratados como conjuntos de acontecimentos discursivos;
o acontecimento não é da ordem dos corpos, mas não é, de modo algum, imaterial;
a descontinuidade atinge e invalida as mais pequenas unidades tradicionalmente reconhecidas: o instante e o sujeito;
é preciso elaborar - fora das filosofias do sujeito e do tempo - uma teoria das sistematizações descontínuas;
introduzir o acaso como categoria na produção do acontecimento;
introduzir na raiz do pensamento, o acaso, o descontínuo e a materialidade;
a perspectiva crítica, para análise, põe em ação o princípio de inversão;
a perspectiva "genealógica", para análise, põe em ação os outros três princípios [citados anteriormente];
a filosofia de Hyppolite nunca estava à beira de se concluir;
o que é o começo da filosofia?
"[...] se a filosofia deve começar como discurso absoluto, o que é que se passará com a história, e que começo é esse que começa com um indivíduo singular, numa sociedade, numa classe social, no meio das lutas?"
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