domingo, 29 de março de 2009

EURÍPIDES

Eurípides






(breves anotações)






"Porta-voz de uma nova época, Eurípides, mais que qualquer outra personalidade de seu tempo, foi alvo da zombaria da comédia."




"Veremos, por uma série de suas peças, o quanto se esforçou por servir como poeta à sua pátria em tempos de crises."




"Nutriu sempre intenso amor pela pátria ateniense, é o que dizem suas obras, mas dada a sua atitude intelectual e o desenvolvimento político dos fins do século V, esse amor teria de ser, or força, doloroso."




Sobre sua obra: "devemos compreender seus traços essenciais a partir da alternância da personalidade do poeta e daquele movimento que nos anos de sua vitalidade começou a modificar desde a base a imagem intelectual de Atenas."




"Protágoras: 'O homem é a medida de todas as coisas, das que são enquanto são, das que não são enquanto não são'." (famosa frase com breve intento de caracterizar o movimento que, na segunda metade do século V, guindou uma era).




"devemos entender a sofística como uma irrupção do espírito jônico no centro do mundo grego."




"Nas palavras de Protágoras, encontramos, como algo decisivo, a ruptura com a tradição em todos os setores da vida; há nelas a reinvidicação revolucionária de converter em objeto de debate racional todas as relações da existência humana, tanto a religião, quanto o Estado e o Direito."




"Mas este não lhes oferece uma imagem unitária do mundo que solucione, com a força da convicção religiosa, suas contradições numa unidade mais elevada, como vimos em Ésquilo, ou, ao menos, que as mostre contidas em tal unidade, como ocorre na obra de Sófocles."




"Neste movimento, o homem sai da guarda segura da tradição e é metido dentro do mundo das antinomias."




"[Protágoras] Foi o primeiro a afirmar que, para cada coisa, há duas maneiras de se conceber que se contradizem." (Diógenes Laércio)




"surgiu uma posição inteiramente nova do homem perante o mundo."




"Toda a carga de sua própria decisão e responsabilidade recaía agora, com esse conhecimento, sobre o homem, colocado em meio às antinomias."




Sobre a sofística: "O fato de haver-se convertido em profissão prejudicou-a, como prejudica qualquer atividade espiritual."




"A tradição biográfica nos fala de uma relação de discípulo entre Eurípides e alguns dos principais sofistas."




"São lendas que foram tecidas a partir de relações com as doutrinas destes homens, no âmbito das tragédias de Eurípides, mas, na verdade, Eurípides não se filiou a nenhuma doutrina determinada."




"torna-se vão o esforço de querer encontrar em seus dramas uma visão de mundo nitidamente delineada, em todos os seus traços individuais."




"Uma luta incessante, uma busca apaixonada percorre a obra do poeta, e precisamente no fato de que para ele a tradição perde o valor quando se trata de enfrentar uma nova questão, e de que muitas vezes em suas cavilações, em lugar de um claro conhecimento, se lhe evidenciam os aspectos contraditórios das coisas, é ele na verdade discípulo dos sofistas, sem que por isso seja mero divulgador de seus ensinamentos."




"a firme crença nas figuras dos deuses da tradição desapareceu e a autonomia do pensar e sentir humanos leva à moldação de personagens para as quais uma nova concepção do homem é mais decisiva que sa preformação pelo mito."




"Os deuses ainda se movimentam pelo palco, mesmo que sua significação, na crença do poeta, também tenha mudado e o tema ainda nasce do mito, por mais que este, indestrutível como forma, continue servindo de recipiente para novos conteúdos."




"a tragédia, como parte do culto estatal, estava por demais ligada aos mitos tradicionais, mesmo quando sua tradição interna começou a esboroar-se."




"A mais antiga peça subsistente, Alceste, [...] apresenta traços que a aproximam do drama de cunho clássico e o separam das obras posteriores, em que esse classicismo afrouxa."




"nós entendemos Eurípides como o poeta a quem precisamente na mulher se lhe abriram todas as grandezes e misérias da alma humana. Trouxe ao palco mulheres que consomem a si e aos outros nas abrasadoras chamas de paixões desencadeadas."




"para expressar o forte interesse de Eurípides pela personalidade individual, a trilogia vinculada em unidade não é a forma adequada."




"[Eurípides] com frequência, substitui o drama satírico ao termo da tetralogia por outro drama não-satírico, mas de epílogo feliz."




"Medéia, do ano de 431, que nos mostra no apogeu a arte do poeta em fazer que os feitos e destinos do homem nasçam do demônio que habita em seu peito."




"Tão violenta é a pugna dessas forças que por quatro vezes Medéia modifica sua decisão."




"é nítido que os dois pólos da oposição trágica não mais referem, como em Ésquilo, deus e homem, mas ambos de situam no íntimo do humano."




"Medéia, Hipólito, Hécuba, todos eles com seu atuar e sofrer, colocam-se dentro de uma ordem estável no mundo. Que esta ordem seja de natureza divina, Eurípides jamais pôs em dúvida, por mais insegura que se lhe tornasse a explicação desta por meio do mito tradicional."




"aquilo que a história de sua época lhe oferecia pôde chegar a uma perfeita harmonia na configuração de cada uma de suas peças."




"Eurípides está interessado na coragem de sacrifício e não no sacrifício em si."




"A tragédia euripidiana, que começava a captar novamente a imagem do ser humano fora das antigas relações religiosas, apresentava também novas facetas de Eros."




"Eros não é encarado como força objetiva e sim como paixão subjetiva."




"pelo poder do erótico, levado às raias do patológico, que Eurípides se sente repetidamente atraído e, também aqui, o contrapõe como revolucionário à tragédia mais antiga."




"Para Eurípides, o pathos da paixão tinha por si mesmo de passar ao primeiro plano."




"O essencial, entretanto, continuam sendo os processos no coração humano."




"voltado para a literatura, clássico dos tempos áureos, já anuncia, no entanto, em muitos aspectos, o helenismo."




"Três tragédias de Eurípides, cujo conteúdo conhecemos em suas linhas básicas, moviam-se inteiramente no âmbito da patologia do Eros."




"É uma das polaridades das personagens configuradas por Eurípides, o fato de o mesmo Eros que conduz ao reino de escuros extravios, alçar também forças puras da alma humana a elevada paixão."




"Através dessa exploração de motivos eróticos em toda a sua extensão e profundidade, Eurípides exerceu uma influência dificilmente calculável sobre toda a literatura de todas as épocas ulteriores."




"com o nobre pathos da sua juventude altiva, nega-se a rogar pela vida: antes a morte que a escravidão nas terras estranhas do vencedor."




"Não é a oposição entre o homem e a sorte decretada pelos deuses que constitui núcleo essencial, à cuja volta se concentra a conformação da obra de arte, mas sim o ser humano, sozinho, na patética expressão da coragem com que porta seu destino, é que se encontra aqui no centro de tudo."




"a autonomia da parte aspira a deixar a unidade do todo, unidade própria da obra de arte clássica."




"A parte do côro diminuiu muito em comparação com a dos atores. Um breve olhar sobre uma das tragédias de Ésquilo torna clara a mudança de proporções."




"Que lá onde paixão e dor dominam o homem, o verso falado, o verdadeiro portador do logos, não basta."




"Nas tragédias de Eurípides, é preciso ser cuidadoso quando se trata de censura a falta de unidade da peça."




"o sentimento e a ação do indivíduo destacam-se da dor de todo o grupo, passando ao primeiro plano."




"não é a plasmação de um mito de Heracles que interessa ao poeta, o qual também aqui [Alceste], como em Medéia, inventa livremente traços essenciais, mas sim a representação da existência humana em sua trágica problematicidade."




"Deuses que sacrificam Heracles, o herói redentor, a seu ódio pessoal, não concretizam uma ordem superior de mundo, já não podem continuar sendo objetos de fé."




"Por trás de Eurípides, reconhecemos a ilustração crítica dos deuses, efetuada pela sofística, e por trás desta, sua raiz primeira no pensamento do filósofos jônicos."




"a opinião do dramaturgo: Quando os deuses comentem crime não são deuses."




"A atitude crítica da ilustração para com a tradição religiosa atingiu seu apogeu com Crítias, político e poeta."




"Em Sísifo, considerou a religião um invento dos políticos, que, por seu intermédio, usando-a como arma de intimação, quiseram manter os homens no temor da lei."




"o poeta superou a superstição arcaica com um humanismo livre e puro."




"Ambos os dramas [?] estão construídos sobre o mito tradicional e, em ambos, este é julgado absurdo, indigno de fé."




"Se já nos camponeses de Electra e Orestes vem à luz uma nova valoração do homem, liberta de velhas relações, ela se torna ainda mais visível lá onde o valor humano é reconhecido até nos escravos."




"Pois o que envergonha o escravo é unicamente o nome. Em todos os outros aspectos o escravo

de honrada índole não é pior que o homem livre." (em Íon)




"É possível aprender virtude,

assim como a criança é ensinada a ouvir e a dizer

o que de começo não compreendia só por si.

E o que sabemos conservamos até a velhice.

Por isso, educai bem as crianças." (em As Suplicantes)




"Os deuses são amiúde citados e acusados nesta peça, mas o problema da justificativa do seu agir, diversamente do que acontece em Electra, passa a plano bem secundário. O homem, neste drama constituído com técnica segura, é joguete do acaso, e afirma-se nele sem oferecer, à exceção de Teone, quaisquer aspectos filosóficos mais profundos."




"Helena nos dá testemunho da secularizão do drama trágico nascido do culto, secularização que não completou no seu próprio curso histórico, mas no da comédia do século seguinte."


"Em parte alguma a tragédia grega, em sua grande época, nos oferece testemunho de um modo de ver o mundo que pudéssemos chamar de cerradamente trágico, por não permitir um olhar sobre o absoluto, sobre uma ordem plena de sentido, estabelecida a partir do divino."


"Não é conscientemente, naquela forma especial do trágico esquiliano, um instrumento de maldição da estirpe. É certo que, nele, se cumpre a maldição paterna, mas se cumpre por sua própria avidez de tirania, pela qual subiria até às estrelas ou desceria ao âmago da terra (504)."


"Mal se pode eliminar a contradição - uma das muitas que encontramos em Eurípides - entre o deus cujas disposições se fazem evidentes e aquele que sabe de sua culpa e, em todo caso, é bem diverso dos grandes garantes do direito, na tragédia de Ésquilo."

"Deus revela-se sob muitas formas.
Muito faz, que nos é inesperado;
quebra-se às vezes aquilo que era nossa esperança;
quando desesperamos, encontra uma saída." (Eurípides)

"Em algumas de suas peças tardias - não em todas, pois também aqui toda fórmula falha - seu avanço significa o trânsito, de uma tragédia movida pela força elementar da paixão, para uma forma dramática que nos mostra o homem que planeja e sofre, frente às disposições de Tiche."

[a natureza do trágico] "Em sua figuração mais pura, deparamo-la na tragédia de Sófocles, ao modo do primeiro Édipo: o homem na pugnaz auto-afirmação de sua dignidade face à potência superior do irracional. De maneira inteiramente diversa, é modulado este antagonismo nas peças de Eurípides das quais estamos tratando. O indivíduo confronta-se, não com uma ordem do todo, que, apesar de seu caráter insondável, se lhe dá na fé mais profunda como dotada de sentido, mas se vê diante de um jogo caprichoso, uma confusa alternância de ascensão e queda."

"Nas peças subsistentes nos é dado observar que momentos de tensão dramática soube Eurípides obter do motivo do reconhecimento."

"A indagação da obra esquiliana, quanto ao sentido e à natureza da maldição de linhagem, passa aqui, inteiramente para o segundo plano."







* Algumas das obras citadas: As Pelíades, Alceste, Heraclidas, Fenícias, Frixo, Medéia, Éolo, As Troianas, Íon


albin lesky em A TRAGÉDIA GREGA.

segunda-feira, 16 de março de 2009

O mistério...

"O mistério das cousas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.
Porque o único sentido oculto das cousas
É elas não terem sentido oculto nenhum.

[...]


É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as cousas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.
Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: —
As cousas não têm significação: têm existência.
As cousas são o único sentido oculto das cousas."


...............

terça-feira, 10 de março de 2009


"Acerca das divindades, não posso saber se existem ou se não existem, ou como são figurados, pois muitos obstáculos impedem verificá-lo: sua invisibilidade e a vida tão curta do homem."

(Protágoras)

terça-feira, 3 de março de 2009

"Entre uma bela vida
e uma bela morte,
não existe o meio-termo
das almas mesquinhas!"
(Sófocles)