segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

O QUE É TEATRO?





I





Um espaço, um homem que ocupa este espaço, outro homem que o observa. Entre ambos, a consciência de uma cumplicidade, que os instantes seguintes poderão até atenuar, fazer esquecer, talvez acentuar: o primeiro, sozinho ou acompanhado, mostra um personagem e um comportamento deste personagem numa determinada situação, através de palavras ou gestos, talvez através da imobilidade e do silêncio, enquanto que o segundo, sozinho ou acompanhado, sabe que tem diante de si uma reprodução, falsa ou fiel, improvisada ou previamente ensaiada, de acontecimentos que imitam ou reconstituem imagens da fantasia ou da realidade. O primeiro, ou os primeiros, são movidos por um impulso criativo que incorpora emoção e razão num ato de desenfreada ou controlada entrega, celebrando um ritual quase místico de epidérmica necessidade, ou exercendo a rigorosa tarefa de uma profissão complexa e densa. Enquanto o segundo, ou os segundos, assistem passiva ou ativamente, entorpecidos por uma magia que os envolve numa cerimônia que faz fugir da própria realidade para um mergulho num universo de encantamento ou mentira ou ilusão, ou, ao contrário, aprofundam o conhecimento lúcido e crítico da própria realidade que os cerca, engravidando-os de um prazer capaz de torná-los mais conscientes e mais vigorosos enquanto homens racionais, dotados da possibilidade de agir e dominar as forças da natureza e da sociedade, transformando as relações entre os homens na necessária urgência de construir democracia e liberdade.


Será isso o teatro? Será possível definir teatro? Será certo e verdadeiro tentar precisar seu significado se, desde a origem do homem, existe enquanto processo, em permanente transformação, obedecendo a sempre novas exigências e necessidades do homem que, através dos tempos, na produção social de sua existência, entra em determinadas relações de produção, necessárias e independentes de sua vontade, que correspondem a determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais da sociedade? O que pode valer para entender a cultura ocidental vale para a oriental? Enfim, existe um teatro ou, em função da vida econômico-política, teatro hoje é uma coisa, amanhã outra, ontem foi diferente? É necessário cuidado para não cair na facilidade de definições abstratas de discutíveis "essências" inexistentes, ou na armadilha de definições idealistas que aceitem um instante isolado, seja o hoje ou o ontem, como verdades imutáveis.


Diante do pensamento reacionário que acusava suas propostas concretas de construção de um teatro dialético, instrumento de conhecimento e prazer, instrução e diversão do homem que sabe que o destino do homem é o homem, Bertold Brecht, com tranquila lucidez, desenvolveu sua poética da arte materialista e dialética, liberta da estética tradicional e voltada para a transformação produtiva da sociedade, ironicamente afirmando que, para isso, se fosse necessário para evitar controvérsias inúteis, será preferível chamar teatro de teatro. E não perder tempo em questões menores.








II





Mas, mesmo sendo transformado em função do processo histórico, o teatro conserva, através dos tempos, uma série de elementos que o distinguem enquanto expressão artística. É verdade que muitos às vezes são esquecidos ou, circunstancialmente, relegados a segundo plano, para, em novas condições, voltarem a ser recuperados. O teatro tem uma história específica, capítulo essencial da história da produção cultural da humanidade. Nesta trajetória, o que mais tem sido modificado é o próprio significado da atividade teatral: sua função social. Constantemente redefinida, na teoria e na prática, esta função social tem provocado alterações sobstantivas na maneira de conceber e realizar teatro. Muitas vezes negando princípios e técnicas que pouco antes pareciam essenciais e indispensáveis. Frequentemente transformando o processo narrativo e mesmo os processos de interpretação e encenação. É irrecusável que, dentro de certos limites, formas artísticas acabam criando novas formas artísticas. Mas seria permanecer no campo enganador das aparências não levar em conta que, em nível mais profundo, não são idéias que criam idéias: o que se transforma na vida social e real dos homens é que determina modificações nas concepções filosóficas como nas representações artísticas. Assim, é fundamental não perder de vista a verdade dialética do movimento histórico: a saga do teatro, fascinante aventura do pensamento e da ação do homem, possui apenas aparência de autonomia.


O que não significa que o teatro não tenha sentido enquanto instrumento de transformação da sociedade. Isoladamente, é claro que é impotente para provocar modificações ou despertar resultados sócio-políticos marcantes. Mas o palco, ou seja qual for o espaço de representação, estabelece, em nível de razão e emoção, uma reflexão e um diálogo vivo e revelador com a platéia, ou seja qual for o espaço dos espectadores. Incapaz de agir diretamente no processo de transformação social, age diretamente sobre os homens, que são os verdadeiros agentes da construção da vida social. O encenador alemão Manfred Wekwerth explica com clareza a única efetiva eficácia que o teatro poderá desempenhar: "ajudar a se tornarem eficazes aquelas forças sociais que, por sua própria natureza histórica, estão em condições de provocar transformações na sociedade; e isso através de meios específicos do teatro: através do prazer".


Foi Brecht que, retomando a formulação da estética burguesa revolucionária, fundada por Diderot e Lessing, que definiram o teatro como divertimento e ensino, levou às últimas consequências a formulação do teatro a serviço da vida social, com a condição de cada vez mais aprofundar sua linguagem enquanto teatro. Assim, Brecht chegou a afirmar que "o prazer é a mais nobra função da atividade teatral".








III





Mas, afinal: um espaço, um ator, um espectador - bastava isso para existir o teatro? O historiador e crítico italiano Silvio D'Amico começa sua valiosa História do Teatro Dramático com uma frase intrigante: "Teatro é uma palavra de significado ambíguo".


Etimologicamente a origem é o verbo grego theastai (ver, contemplar, olhar). Inicialmente, designava o local onde aconteciam espetáculos. Mais tarde serve para qualquer tipo de espetáculo: danças selvagens, festas públicas, cerimônias populares, funerais solenes, desfiles militares etc. A idéia que a palavra hoje desperta em nós só aparece definida no século XVII. Afinal, o que distinguiria o teatro de outras manifestações semelhantes?


O princípio do teatro tem sido objeto de inúmeras especulações. Mas praticamente todos situam dois pontos irrecusáveis: desde cedo os homens sentem a necessidade do jogo, e no espírito lúdico aparece a incontida ânsia de "ser outro", disfarçar-se e representar-se a si mesmo ou aos próprios deuses ou assumir o papel dos animais que procura caçar para sua sobrevivência, às vezes inclusive fazendo uso de máscaras; e ainda, ao que tudo indica, o jogo teatral, a noção de representação, nasce essencialmente vinculada ao ritual mágico e religioso primitivo. Estes pontos indicam questões pertinentes e estimulantes.


Entre elas: representando deuses, os homens fazem as dinvidades descerem ao mundo material, corporificando-as e tornando-as visíveis e acessíveis a seus anseios e medos e necessidades e perplexidades; organizando rituais religiosos, os homens organizam festas, nas quais as sociedades primitivas se integram numa comemoração coletiva de extrema vitalidade, mesmo que o elemento da morte possa estar presente até de forma acentuada; simulando caçadas, os homens primitivos acreditavam ou no poder mágico de exercitar uma ação falsa antes de empreender a verdadeira, ou no poder prático de treinar astúcia e músculos para garantir o êxito no momento decisivo, neste caso atribuindo à representação um sentido, eminentemente prático que não exclui a presença da beleza; imitando os próprios homens, buscavam observarem-se a si mesmos "de fora", talvez utilizando o riso e o deboche como embrião de uma forma de a sociedade autocriticar-se através da representação de seus costumes cotidianos; na ânsia de sair de si para ser outro talvez fosse possível encontrar as primeiras manifestações de uma ânsia mais abstrata e talvez mais profunda da relação do homem consigo mesmo, não sendo totalmente absurdo partir daí para especulações sobre fascínio ou recusa, insatisfação ou procura, etc.


Mas o próprio Silvio D'Amico, ao citar o teatro como a "comunhão de um público com um espetáculo vivo", sente a insuficiência da definição. O que falta é a "consciência de uma cumplicidade" que mencionamos no início: trata-se de uma representação.


Na verdade, o teatro nasce no instante em que o homem primitivo coloca e tira sua máscara diante do espectador. Ou seja, quando existe consciência de que ocorre uma "simulação", quando a representação cênica de um deus é aceita como tal: a dinvidade presente é um homem disfarçado. Aqui começa o embrião da noção de ficção e também da noção de fazer arte. O teatro define seu terreno específico. E, naturalmente, enquanto para os idealistas sua essência pode ser até mesmo divina, para os materialistas seu significado é concreto. E pertence aos homens.








IV





De tudo isso, o que permanece no teatro hoje? O mais justo, aliás, será afirmar logo que hoje não existe um teatro, mas vários. As mais diferentes e mesmo antagônicas tendências coexistem pacífica ou não pacificamente. É frequente localizarmos num mesmo espetáculo, caminhos ou soluções que se contradizem. E, às vezes, deste conflito na articulação interna da narrativa nasce uma inesperada coerência. As mais radicais experiências frequentemente abalam os alicerces das poucas certezas.


Diferentes concepções do significado da arte buscam soluções distintas, mesmo quando entre elas existe um consenso ideológico. O individualismo exarcebou a necessidade de o artista trilhar propostas pessoais. Mas, mesmo artistas que não fazem do individualismo um princípio de existência, diante de diferentes condições de trabalho, participando de contraditórias realidades sociais que postulam formas distintas de comportamento e posicionamento crítico, revisam conceitos e preconceitos. Se a isso somarmos todos aqueles que fazem da investigação formal um fim em si mesma, ou que fazem do estilo pessoal uma seita egoísta e narcisista, fechada e intransferível, teremos uma imensa quantidade de tendências. Juntas, por mais contraditórias e antagônicas que possam ser, constituem o complexo e múltiplo produto cultural de nossa época.


Por outro lado, quando Marx afirma que a vida social determina a consciência, isso não exclui uma relativa margem de autonomia. Nem implica o aniquilamento da coexistência de manifestações desiguais: há um forte vínculo entre os produtos artísticos de uma época e os da épocas seguintes. E inclusive o fato de serem transformadas as condições de estrutura econômica de uma sociedade não produz, automaticamente, o desaparecimento dos produtos culturais de um instante histórico. Muitas vezes permanecem durante largo tempo. E às vezes até atingem seu máximo florescimento no momento de crise de uma base econômica ou nos estertores de uma estrutura sócio-econômica já superada pelo processo revolucionário.


Vivemos numa sociedade dividida em classes, onde as idéias dominantes são as idéias das classes dominantes. Mas o pensamento subalterno também produz sua cultura, dentro de contradições específicas: o processo criativo mantém o esforço do homem em sua batalha pela libertação ou pela cotidiana luta pela construção de uma nova sociedade. O que não exclui que seria totalmente falso imaginar que os estados capitalistas produzem um teatro diferente do que é produzido nos estados socialistas. Mas, se diversos aspectos coincidem, outros se diferenciam cada vez mais. O novo vasce do velho, mas durante muito tempo é possível que um processo cultural conserve em evidência, em precário e temporário equilíbrio, os termos antagônicos de uma contradição. Uma das características mais autênticas do teatro de hoje é que ele se busca a si mesmo. É evidente que alguns caminham com mais segurança que outros. Mas as experiências acabam se enriquecendo umas às outras. É preciso inclusive não esquecer que, como afirma o crítico francês Bernard Dort, hoje não mais existe um único público, aquele público burguês ao qual se referia a crítica do século XIX, mas sim vários públicos.





V



Afinal, o que permanece nos vários teatros de hoje? Muito pouco, em relação ao que vimos. Algumas tendências do teatro contemporâneo excluem a necessidade de um espaço próprio e definido para a realização da manifestação teatral. Mas, no sentido mais amplo da palavra, este espaço poderá ser qualquer espaço: uma esquina, uma loja, um restaurante, um trem, etc. Como afirma Augusto Boal, que formula a proposta radical de um "teatro invisível", no qual o espectador só tem conhecimento e consciência de ser espectador, o teatro poderá ser realizado até mesmo nos teatros. E até mesmo pelos atores...

Um homem observa o comportamento de outro homem - ou seja: um espectador e um ator, ainda serão a condição mínima? Em certo sentido talvez seja possível estudar o processo histórico da produção da cultura teatral através das diferentes formas ideológicas que assumiu, em função de diferentes necessidades sócio-políticas, este desafiador relacionamento. Ao que tudo indica, aqui está o intrigante centro do questionamento.

Mas é necessário lembrar que existem projetos que pretendem anular mesmo estes componentes que parecem indispensáveis. Boal, por exemplo, chega a afirmar que "espectador" é uma palavra obscena. Certas técnicas de suas propostas, definidas como "teatro do oprimido", acentuam a necessidade de eliminar aquele que "assiste", libertando-o de uma condição que seria, necessariamente, opressiva. Resumindo, para Boal a poética do oprimido se transforma na poética da libertação: no projeto de Aristóteles, o espectador delega poderes para que o personagem pense e atue em seu lugar; no projeto de Brecht, para que o personagem atue mas não pense em seu lugar (a experiência teatral seria reveladora no nível da consciência, mas não no nível da ação). Para Boal, teatro é ação. Pode não ser revolucionário, mas é um ensaio da revolução. Seu objetivo é fazer com que o "espectador", nas experiências de "teatro-foro", interrompa a ação dramática, incorporando-se àqueles que a conduzem, formulando, através de representação, sua compreensão e capacidade de agir.

Eliminar o espectador não implica eliminar a mais elementar idéia de teatro?

Outros pretendem (e não estamos nos referindo a casos particulares, como o teatro de bonecos ou de sombras) anular o ator. Manifestações de anárquico radicalismo, como os happenings, defendem uma transgressão de todas as leis da elaboração da obra de arte. Nestes eventos, a própria noção de espetáculo acaba sendo suprimida: o projeto transforma-se em realidade, a ficção é substituída pela verdade. Qualquer pessoa pode protagonizar e conduzir a ação, inventando um comportamento ou simplesmente extravasando impulsos.

Enfim, em casos extremos, a noção de representação é suprimida ou relativizada a ponto de ser impossível saber se o que acontece pertence ao campo da invenção ou da realidade. Em certos casos, inclusive, esta ambiguidade é tida como essência da manifestação proposta. Continuamos no terreno do teatro?





VI



Contestada a "consciência da cumplicidade", assim como eventualmente suprimidos os dois sujeitos desta possível cumplicidade, o ator e espectador, abolidos o espaço e a mais elementar noção de espetáculo, o que resta? Na melhor das hipotéses, é possível reconhecer, com certa generosidade, que nestes extremos, para tentar sobreviver, o teatro não hesita em negar-se a si mesmo.

Frente a tais excessos, parecem até secundárias uma série de valiosas objeções que, por exemplo, se colocavam contra a noção de que ator e espectador bastavam para determinar o nascimento do mais elementar ato teatral. Muitos recusam o que lhes parece uma grosseira simplificação, reivindicando o reconhecimento de uma indivisível santíssima trindade: o ator, o espectador e, primordial e sempre presente, o autor. Esta questão não é nada desprezível e nos remete ao centro do problema da criação teatral.

Indagar quem teria surgido antes, o autor ou o ator, pode parecer uma pergunta tão desgastada quanto investigar quem apareceu ants, o ovo ou a galinha. A necessária existência de um autor não pode também ser confundida com uma visão restritiva do problema. A realização de um espetáculo, ensaiado ou improvisado, formalmente rígido e acabado ou aberto e deliberadamente incompleto, pressupõe uma proposta temática e ideológica. E uma organização cênica básica, mal ou bem definida. É evidente que em muitas ocasiões, inclusive no exercício do mais absoluto improviso, a figura do autor pode confundir-se com a do ator. Mesmo que seja uma identificação circunstancial. É igualmente evidente que o autor pode ser mais que um, dissolvendo-se a autoria no coletivo de trabalho. A questão coloca sérias interrogações: será o ator, elemento central e agente criativo do espetáculo vivo, único indispensável, um indivíduo limitado à condição de intérprete? E não apenas intérprete da realidade e dos homens, mas também de propostas ideológicas ou projetos artísticos que o utilizam como instrumento?





VII



Um espetáculo de teatro, seja tragédia ou comédia, drama ou revista musical, mímica ou ópera, pode ter como ponto de partida um texto escrito em seus mínimos detalhes. Com diálogos completos e indicações cênicas, expondo conflitos entre personagens perfeitamente delineados e narrando as relações que os homens estabelecem entre si em determinadas circunstâncias. Como obra literária - e também musical, no caso de opereta, ou de ópera - está completa: como texto teatral, entretanto, exige para realizar-se integralmente, ser encenado. Ou seja, assumir o espaço cênico, corporificado por intérpretes que, obedecendo a uma concepção preliminarmente estabelecida, criem um confronto de emoção e raciocínio com os espectadores. Mas nem todo espetáculo necessariamente existe a partir de um texto. Pode, por exemplo, nascer de simples indicações de ação e conflitos. Ou transformar em matéria cênica uma proposta de trabalho vagamente redigida, um poema, uma narrativa que sugira elementos cênicos, uma idéia inicial a ser improvisada numa prática imprevisível, etc. O autor destes diferentes estímulos iniciais será fielmente o autor do espetáculo? Na melhor das hipóteses poderemos responder: nem sempre.

Existe uma escrita literária, também chamada escrita dramática, que efetivamente pertence ao domínio do teatro, mas igualmente tem seu espaço na história da literatura. Existe uma escrita cênica, que desenvolve uma linguagem específica, que frequentemente parte da escrita dramática. Mas nem sempre.

Mais um aspecto exaustivamente discutido através da trajetória histórica do teatro: como se estabelecem as relações de liberdade e/ou subordinação entre o autor da obra literária (sobretudo quando se trata de um texto escrito enquanto literatura dramática, destinado ao palco e sem condições de atingir sua plenitude poética e ideológica quando é simplesmente lido) e o autor do espetáculo (aquele que organiza a linguagem teatral, tarefa desempenhada por muitos através dos anos, hoje resultado das opções e concepções do encenador)? Melhor: existem duas autorias? Ou uma delas é determinante e, predominando de forma decisiva, define o significado do espetáculo?
Principalmente a partir dos últimos anos do século XIX, a questão do encenador se impõe como fundamental. Homens que escrevem para teatro sempre existiram. Já o problema estético da encenação é mais recente. Ainda que o teatro, é evidente, tenha sempre tido encenadores: às vezes autores que pessoalmente orientavam seus espetáculos, às vezes atores que organizavam a disciplina e o trabalho de seus companheiros, às vezes cenógrafos que chegaram a impor suas concepções visuais ao conjunto, às vezes contra-regras ou coreógrafos ou professores de arte dramática, etc. Desta fase artesanal passou-se para uma fase criadora e crítica: a partir da necessidade de coordenar elementos técnicos, cada vez mais complexos com o desenvolvimento progressivo de recursos mecânicos para a cena e com a introdução da luz elétrica, o encenador acaba transformando-se no responsável pela visão unitária e coerente do produto teatral, marcando cada espetáculo com sua postura ideológica.
Simplificando um processo complexo, se estudarmos as nem sempre pacíficas relações entre dramaturgos e encenadores, sobretudo nas últimas décadas, será possível esquematizar uma divisão da história do espetáculo em dois campos opostos: aquelas poéticas (formulações teóricas e práticas não necessariamente ligadas a um sistema geral de filosofia, mas coerentes com uma experiência concreta) que definem o teatro como o local onde o "Verbo se faz carne", e portanto "a Palavra é mãe e soberana", cabendo a todos os artistas e técnicos a missão de ilustrar e traduzir cenicamente os textos literários a partir da submissão humilde de uma postura de total e absoluto respeito; e aquelas poéticas que, ou negam a superioridade do texto, considerando-o exclusivamente um pretexto para uma criação pessoal, ou partem em busca do sonho de um teatro total, ou com firmeza recusam a ditadura da palavra, ou, na mais serena das hipóteses, procuram compreender o espetáculo, se não como valor hegemônico, ao menos como algo independente do texto.
É evidente que o extremismo destas colocações apenas encobre a questão essencial. E, supondo a existência de uma escrita dramática, o objetivo do encenador que aceita a idéia de que a tarefa social do teatro está prioritariamente contida na responsabilidade do espetáculo, instante único e insubstituível de diálogo e reflexão com o público, consiste em estabelecer uma relação dialética com o texto que lhe serve de ponto de partida. Interpretando-o criticamente em função não de conceitos ou suposições pessoais, mas em função de uma análise objetiva que nasce de sua compreensão da verdade histórica do texto e da realidade concreta e contraditória que o cerca, na qual seu espetáculo será inserido. Não se trata, portanto, de cultivar o falso respeito nem a ingenuidade do ridículo desprezo: o essencial é saber assumir um confronto crítico. A quem, afinal, o encenador precisa ser fiel e a quem precisa servir? Seu primeiro e fundamental compromisso, sem dúvida, é com seu tempo e com sua realidade.
O teatro existe na duração do espetáculo. Uma arte autodestrutiva. Como insiste o encenador inglês Peter Brook, uma arte sempre escrita no vento. Mas que se realiza a partir de uma tomada de consciência de si mesma: a realidade do teatro, insistem os seguidores de Brecht, é sua teatralidade. São os meios através dos quais é possível chegar à realidade para transformá-la. Explica Bernard Dort: "Hoje, se queremos fornecer reproduções realistas da vida social, é indispensável reestabelecer o teatro em sua realidade de teatro."


VIII

Do primitivo instinto de ser outro, da necessidade do disfarce e do jogo lúdico, da vontade de homem de ver-se a si mesmo reproduzido, do ritual religioso ou profano, da magia e da mais primária imitaçãoda natureza, o espetáculo ganhou dimensão própria. Definiu seu campo de ação, respondeu às exigências dos homens, até enquanto veículo de informação. Situou-se e participou da vida das sociedades: entregou-se à religião, à política, ao vazio nihilista ou ao apocalipse anárquico. Acabou transformando-se, sobretudo hoje, às vezes em campo experimental menos ou mais comprometido com o esforço coletivo do homem para dominar a natureza e a sociedade, ou em campo de radicalizações nem sempre amadurecidas, mas ditadas por impulsos de incontida busca de novos recursos expressivos. Transformou-se o espetáculo em pura e simples mercadoria, sujeita às leis do comércio. Oscilando entre crises de oferta e de procura, inserida na disputa da livre-concorrência proposta pelo sistema capitalista de produção. Uma mercadoria às vezes até bastante rentável, manipulada por empresários interessados unicamente na lógica do lucro. Embalada para presente, vendida em "supermercados culturais", onde se organiza o tráfico multinacional da mentira e da mistificação, não deixará de ser mercadoria - inocente ou perigosa, necessária ou supérflua -, dentro da lógica da produção capitalista. Mesmo enquanto cultura, terá este dúplice componente, e como tal deverá ser compreendida e usada. Engajado, o teatro sempre esteve ou na defesa de valores progressistas e mesmo revolucionários ou, até por omissão, empenhado na defesa de idéias conservadoras. Mas para os que não se submetem, os que recusão o silêncio e não aceitam compactuar com a comemoração ou a encenação da mentira, o teatro, assumido enquanto tal, pode ser a origem de um ato produtivo: para o espectador, um espetáculo pode ser não o simples reconhecimento de sua subjetividade, mas sim o conhecimento de sua existência como ser social.
O teatro já foi cúmplice em etapas obscuras do pensamento que produziam o ritual e a cerimônia como formas de cultuar o irracional e manter os espectadores como prisioneiros da impotência. Hoje o público poderá integrar-se na dialética histórica. E a noção de produtividade, na qual insistem Brecht e os que retomam suas proposições teóricas, reside justamente no estabelecimento de um ato de conhecimento, divertido, dialeticamente aberto, entre o ator, o homem que ocupa o espaço cênico, e o espectador, aquele que observa seus gestos, palavras e movimentos. E a tarefa histórica e crítica do terceiro componente da "santíssima trindade", o autor, certamente o encenador, será justamente a de relacionar ator e espectador com a totalidade histórica.
Wekwerth encontrou palavras precisas para definir esta comunicação, centro da reflexão de hoje sobre a questão teatral: atores e espectadores se enfrentam, no espetáculo, como dois grupos de produtores, entretendo-se mutuamente, criticando-se e revelando-se mutuamente necessários.


O que é Teatro? - Fernando Peixoto

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

O herói e o monstro





O helenista francês Jean-Pierre Vernant diz que a tragédia grega inventou o homem angustiado e afirma que o progresso técnico-científico tornou o gênero mais atual do que nunca.




FABIENNE DARGE


Por que textos escritos há 2.500 anos, que marcam a invenção do teatro, ainda fascinam hoje? Fizemos a pergunta a Jean-Pierre Vernant, 91, especialista no homem grego antigo, cuja abordagem ele renovou consideravelmente, sobretudo por meio da psicologia e da antropologia. Para ele, a tragédia grega continua atual porque é "um fenômeno social, estético e psicológico."

Filósofo por formação, historiador, diretor de estudos na Escola Prática de Altos Estudos a partir de 1958, professor honorário no Collège de France, onde ocupou a cadeira de estudos comparados de religiões antigas (1975 - 1984), Vernant é "um mestre de liberdade no ensino universal", como o qualifica seu discípulo e amigo Pierre Vidal-Naquet.



É uma ilusão acreditar que o

homem é dono de seus atos, nos diz

a tragédia.



Jean-Pierre Vernant contou sua trajetória de residente e de comunista dissidente em "La Traversée des Frontières" [ A Travessia das Fronteiras, ed. Seuil, 2004]. Ele nos recebeu em sua casa em Sèvres para um mergulho nas nascentes do teatro ocidental, revelador desse "homem trágico" nascido há 25 séculos - e ainda atual.



Pergunta - Como surge a tragédia grega?

Jean-Pierre Vernant - No século 5º antes de Cristo, com a democracia ateniense. A tragédia avança durante um século, depois pára. O primeiro grande poeta trágico é Frinico, do qual nenhuma obra se conservou.

Sabemos que suas peças são escritas para dois atores e coro. Depois dele vêm os três grandes poetas trágicos, Ésquilo, Sófocles e Eurípides, que escrevem para três atores e coro. Nós nos interrogamos muito sobre as origens da tragédia, sobretudo as religiosas. Mas eu vejo nelas sobretudo uma invenção, uma inovação.


Pergunta - Uma inovação que é primeiramente institucional?

Vernant - Sim, porque o nascimento da tragédia é inseparável da organização cívica, da elaboração da democracia ateniense. É o período em que, nas cidades gregas, se institui o direito. Em que são fundados os tribunais, compostos de cidadãos encarregados de fazer os julgamentos. O desenvolvimento intelectual avança, com a medicina, a geometria, a filosofia... Assistimos a uma ruptura com um modo de pensar arcaico. Estamos em um período intermediário: os heróis mitológicos, celebrados como valores, agora são questionados.

A tragédia chega nesse momento. Ela assume a forma de um concurso, que põe em disputa três poetas trágicos durante três dias, ao fim dos quais um deles recebe um prêmio. Para isso, designam-se três cidadãos, cada um encarregado de pilotar uma "equipe" de poetas e intérpretes. Esses cidadãos devem se ocupar da "encenação" da tragédia escrita pelo poeta que lhes coube. Ao mesmo tempo, é indicado um chefe de coro. Esse último também é um cidadão, como os atores membros do coro, composto unicamente de rapazes da cidade. Para o concurso, cada equipe deve apresentar três tragédias e um drama satírico. Ao final desses três dias, um tribunal indica o premiado. Como nos tribunais encarregados de julgar os casos de direito, ele é composto de um certo número de cidadãos sorteados.

O fato de ser um tribunal que decide a atribuição do prêmio em nome da cidade é uma inovação institucional totalmente de acordo com as regras de funcionamento da cidade.

Podemos dizer, assim, que, com a tragédia, é a cidade que se interpreta ela mesma diante do público.


Pergunta - A tragédia não é também uma inovação estética?

Vernant - Ela marca efetivamente a criação de um novo gênero literário. Antes dela, temos a poesia épica (Homero, Hesíodo) e a poesia lírica. Mas essa poesia é uma obra de pura audição: o poema não é feito para ser lido, mas escutado, nas recepções privadas ou nas grandes festas de Delfos ou de Olímpia. Ele canta os grandes feitos dos heróis lendários. Com a tragédia, estamos diante de algo completamente diferente: um espetáculo. São os mesmos personagens, os mesmos relatos, os mesmos mitos; mas, enquanto o poeta épico cantava as façanha dos heróis, com a tragédia o público vê o herói em cena, realizando suas façanhas.

E isso muda tudo. Os heróis estão lá, diante da multidão, em carne e osso, como se estivessem vivos. Quando o ateniense do século 5º vê Agamênon, Clitemnestra ou Orestes caminharem sobre o palco, ele sabe que se trata do que chamaremos mais de tarde de "ilusão teatral". Ele compreende, evidentemente, que é um espetáculo montado, organizado, com problemas de perspectiva e de cenário que se colocam desde o início. A tragédia pressupõe e ao mesmo tempo fabrica a consciência do fictício.


Pergunta - Como é fabricada essa "consciência do fictício"?

Vernant - Uma arte ligada ao imaginário, que fabrica "fantasmas", irreais ou relacionados a outro tipo de realidade, não se impõe imediatamente. Essa arte precisa ser longamente elaborada. Em Atenas, ela é fabricada nos palcos do teatro. E o surgimento da arte teatral está ligado ao aparecimento de uma categoria de palavras - "mimesis", "mimema", "mimeistai": mimese, imitar, imitação. A tragédia vai imitar o que aconteceu. O fato de haver um espaço cênico limitado, o fato de o público ver as ações encadeadas por elos fortes no plano lógico e estético irão fazer com que exista uma condensação da ação. Por isso, a organização do espaço trágico é muito estrita. Do mesmo modo, toda tragédia é uma espécie de totalidade, como um ovo, pleno, fechado em si mesmo: um mundo encerrado no espaço e em uma temporalidade definida. E esse mundo é justamente o de uma ficção, da imitação de alguma coisa. Aristóteles afirma que a tragédia é uma imitação dos atos humanos.


Pergunta - O senhor também vê na tragédia uma revolução psicológica?

Vernant - Certamente. Na época, os heróis - Aquiles, Ulisses - são apresentados como modelos, enquanto no palco da tragédia representa-se sobretudo a maneira como o herói será confrontado com outros personagens e com seus próprios atos. Há um momento em que o herói se coloca a pergunta: "O que fazer?". Agamênon se interroga: "Devo ordenar o sacrifício de Ifigênia paradesbloquear os ventos e imediatamente partir para vingar a honra dos gregos? Ou devo poupar minha filha amada? Nesse caso não cobrirei minhas mãos com o sangue de minha própria existência, de meu próprio sangue. Mas então a expedição de Tróia não ocorrerá, e o exército que chefio poderá me acusar de ter traído suas esperanças". O dilema em que se encontra um personagem é o motor da criação trágica. A tragédia apresenta o homem em situação de agir, diante de uma decisão que envolve tudo; e ele vai escolher o que lhe parece melhor. Ora, ao fazer essa opção ele irá de algum modo se autodestruir. Pois seu ato - seu pequeno ato - irá assumir um sentido completamente diferente do que imaginara e se voltará contra ele, como uma espécie de bumerangue. Esse homem, que acreditava agir bem, vai aparecer como um monstro ou um criminoso. É uma ilusão acreditar que o homem é dono de seus atos, nos diz a tragédia.


Pergunta - O personagem trágico é um ser problemático?

Vernant - Esse é o ponto importante. O homem é ainda mais problemático porque não somente tem condições de agir - ele acredita agir bem, enquanto o resultado é quase sempre uma catástrofe - como também é muito difícil decidir se ele é culpado ou inocente. Por trás de uma tragédia há uma pergunta geral: qual é a relação do homem com seus atos? Em que medida ele é realmente seu autor? Seu ato não é resultante de outros elementos, cuja existência ele só perceberá tarde demais? Assim sendo, ele é inocente ou culpado? O que é a culpa? O erro e a inocência não estão misturados? Por trás dos atos humanos não há dramas, crimes, queixas, lutos, já que é sempre o sangue que escorre, a cada momento, manifestando-se no próprio texto, a presença dos deuses?

A presença do que eu chamo de mundo, o universo, não é um universo simples. Ele também é ambíguo e contraditório, pois as dinvindades que intervêm na cena trágica também são divididas. Não se trata de condenar, trata-se de mostrar as dificuldades para compreender o que é o homem em suas relações com um universo ambíguo. A tragédia é uma forma dessa interrogação sobre o homem e o mundo, sobre o justo e o verdadeiro. Ela exprime uma profunda ambiguidade.


Pergunta - Édipo seria o exemplo mais marcante dessa ambiguidade?

Vernant - Édipo é inocente e pior que culpado. Ele praticou uma desonra terrível, mas, quando mata seu pai, não sabe que é seu pai e está em situação de legítima defesa. Sua mãe: ele se casa com ela, dorme com ela e lhe faz filhos. Ele planta suas sementes no próprio solo de onde saiu, como diz o texto de Sófocles. Existe, portanto, o incesto. Mas Édipo não quis esse casamento e, portanto, nisso também é inocente.

Dito de outra maneira, o mesmo homem, sábio, lúcido, cheio de cirtudes, que reergueu Tebas, o salvador da cidade, é, ao mesmo tempo, um monstro... E essa monstruosidade contra a qual ele nada pode é o fato de uma desonra ancestral que pesa sobre ele. Por quê? Seu erro é existir. Sua linhagem devia parar com ele: o oráculo Delfos advertira seu pai. Édipo é, portanto, do ponto de vista da ordem cósmica e religiosa, uma coisa que não tem um lugar próprio, e é por isso que tanta infelicidade se abate sobre ele. Édipo é, ao mesmo tempo, o policial diligente, o juiz de instrução e o culpado. É o mais virtuoso e o mais monstruoso dos homens: não podendo mais suportar o olhar do outro, só lhe resta perfurar os olhos.


Pergunta - Como definir o homem trágico?

Vernant - O homem trágico acumula todos os sofrimentos e todos os horrores do mundo. De tal modo que o espectador é, ao mesmo tempo, tomado de terror e de piedade mas também (era a teoria de Aristóteles) esses sentimentos de terror e de piedade vão se encontrar purificados, como maus humores que expulsamos. Pelo viés da representação, com suas regras - unidade de lugar e de tempo, tensão da intriga trágica -, essa "enfermidade" humana é apresentada sob uma luz que a transforma em elementos portadores de beleza. A emoção que sentimos - o terror misturado com piedade - é purificada pela força do ritmo e da poesia.

E, como diz ainda Aristóteles, ela torna-se espetáculo trágico. Este mostra a que ponto a cadeia de acontecimentos era provável e necessária. E o fato de esse desencadeamento ser encenado para marcar a cada momento suas articulações torna-se para o espírito algo muito satisfatório. Há uma inteligibilidade do destino e da problemática trágica que nos faz sair de lá sacudidos, mas felizes: purgados.


Pergunta - Por que a tragédia nos toca tanto hoje?

Vernant - Existe efetivamente um paradoxo quando se tenta situar a tragédia historicamente enquanto se pretende reconhecer sua validade atual. A tragédia grega inventa não apenas um espetáculo e um tipo literário mas apresenta um homem trágico: ela inventa um homem angustiado, o homem que questiona seus atos, que compreende mais tarde que fez uma coisa totalmente diferente do que acreditava fazer...

É isso que continua a ressoar em nós. Se diretores e público, incluindo os mais jovens, acorrem a esse tipo de teatro, enquanto o mundo da cultura grega se distanciou de nós, é porque a mensagem da tragédia voltou a ser inteligível.

Há momentos históricos de otimismo, como no início do século 20, em que o homem não tem necessidade de tragédia. Mas desde então o mundo ocidental se destroçou na guerra de 1914, depois na de 39 - 45, no nazismo e nos campos de concentração. A Alemanha, um país culto, refinado, mergulhou no impensável.

O surpreendente progresso científico e técnico que nos torna "senhores e possuidores da natureza", como queria Descartes, nos dá ao mesmo tempo a sensação de que beiramos a catástrofe a todo instante.


Pergunta - Qual é a sua tragédia preferida?

Vernant - Pergunta capciosa! "Édipo Rei", evidentemente, é maravilhosa, trabalhada subterraneamente por tantas coisas... Como se Sófocles explicitasse o que deve ser a tragédia, com seu célebre enigma - qual é o animal que tem quatro pés de manhã, dois ao meio-dia e três à tarde? - que vem encerrar o próprio enigma. Todos os animais são quadrúpedes ou bípedes: o homem é o único animal cuja natureza muda com a idade. A criança que se arrasta de quatro é diferente do adulto, de pé sobre duas pernas, diferente do velho apoiado em uma bengala, seu terceiro pé.

Édipo é quem quer conjugar esses três momentos. Ele tem dois pés porque é adulto, quatro porque é o irmão de seus filhos, e três porque é como seu pai. É portanto um monstro, pois reúne em si os três estados que constituem a natureza extraordinária do homem. Ele volta a ser humano à força de sofrimento, e o que ele compreende é que é incompreensível. Dito isso, tenho um fraco pelas "Bacantes" de Eurípides...


Folha de S. Paulo, 10 de abril de 2005.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O INSTINTO DA TEATRALIDADE

O homem sempre sentiu o desejo de transfigurar-se,

de transformar-se em outra coisa que não seja ele mesmo.
Porque o homem tem um instinto teatral inato.

É o instinto da transfiguração,
que transforma as aparências dadas pela natureza em outra coisa.
É o instinto cuja essência se revela na teatralidade.

O instinto da teatralidade,
que reinvindico a honra de haver descoberto,
pode achar sua melhor definição no desejo de ser "diferente",
de realizar algo "diferente", de se opor à atmosfera do dia-a-dia.

Eis aí um dos principais motivos de nossa existência.
Eis aí o que chamo progresso, mudança, evolução ...
...e transformação em todos os domínios da vida.

Nascemos todos com este sentimento na alma,
Somos todos seres essencialmente teatrais.

(Adaptado de EVREINOV, Nicolas. El Teatro em la vida. Buenos Aires, 1956, p. 35-36, s/ ref de editora)