sexta-feira, 23 de setembro de 2011

- E, envergonhado, pediu: faz-me rir.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

- Cuidado com teus planos, pois, se forem inclinados, podem querer privatizá-los.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

PROUST E OS SIGNOS, Gilles Deleuze

PARTE I:


O que é “a busca” na obra? “a busca, não é simplesmente um esforço de recor­dação, uma exploração da memória: a palavra deve ser tomada em sentido preciso, como na expressão "busca da verdade”.” “A Recherche se apresenta como a exploração dos diferentes mundos de signos, que se organizam em círculos e se cruzam em certos pontos.”
O que é “o tempo perdido” na obra? “não é apenas o tempo que passa, al­terando os seres e anulando o que passou; é também o tempo que se perde (por que, ao invés de trabalharmos e sermos artis­tas, perdemos tempo na vida mundana, nos amores?).”
O que é “o tempo redescoberto” na obra? “um tempo que redescobrimos no âmago do tempo perdido e que nos revela a imagem da eter­nidade; mas é também um tempo original absoluto, verdadeira eternidade que se afirma na arte.” [...] “a obra de arte é o único meio de redescobrir o tempo perdido."
O que é “aprender” na obra? “Aprender diz respeito essencialmente aos signos.” [...] “Aprender é, de início, considerar uma matéria, um obje­to, um ser, como se emitissem signos a serem decifrados, interpretados.” [...] “A obra de Proust é baseada não na exposição da me­mória, mas no aprendizado dos signos.”
Qual o resultado essencial do aprendizado? “há verdades a serem descobertas [no] tempo que se perde.”
O que são “signos” na obra? “Os signos são especí­ficos e constituem a matéria desse ou daquele mundo.”
1º mundo: signos mundanos. “a tarefa do aprendiz é compreender por que alguém é "recebido" em determinado mundo e por que alguém deixa de sê-lo; a que signos obedecem esses mundos e quem são seus le­gisladores e seus papas.” [...] “Não se pensa, não se age, mas emitem-se signos.” [...] “O signo mundano não remete a alguma coisa; ele a "substitui", pretende valer por seu sentido.” [...] “O aprendizado seria imperfeito e até mesmo impossível se não passasse por eles.”
2º mundo: signos do amor. “Apaixo­nar-se é individualizar alguém pelos signos que traz consigo ou emite. É tornar-se sensível a esses signos, aprendê-los.” [...] “Não podemos in­terpretar os signos de um ser amado sem desembocar em mun­dos que se formaram sem nós, que se formaram com outras pessoas, onde não somos, de início, senão um objeto como os outros.” [...] “A contradi­ção do amor consiste nisto: os meios de que dispomos para preservar-nos do ciúme são os mesmos que desenvolvem esse ciúme, dando-lhe uma espécie de autonomia, de independên­cia, com relação ao nosso amor.” [...] “os signos amorosos são signos mentiroros que não podem dirigir-se a nós senão escondendo o que exprimem, isto é, a ori­gem dos mundos desconhecidos, das ações e dos pensamentos desconhecidos que lhes dão sentido.” [...] “Era uma terra incógnita terrível a que eu acabava de aterrar, uma fase nova de sofrimentos insuspeitados que se abria. E, no entanto, esse dilúvio da realidade que nos submer­ge, se é enorme a par de nossas tímidas e ínfimas suposições, era por elas pressentido.” [...] “O mundo do amor vai dos signos reveladores da mentira aos signos ocultos de Sodoma e Gomorra.”
3º mundo: as qualidades sensíveis ou impressões. “estes signos já se distinguem dos precedentes por seu efeito imediato.” [...] “São signos verídicos, que imediatamente nos dão uma sensação de alegria incomum, signos plenos, afirmativos e alegres.” [...] “o sentido material não é nada sem uma essência ideal que ele encarna.”
4º mundo: signos da arte. “os signos da arte são os únicos imateriais.” E capazes de “revelar” a essência de cada um (no caso, do sujeito-artista).
Concluindo. “os signos mundanos, princi­palmente os signos mundanos, mas também os signos do amor e mesmo os signos sensíveis, são signos de um tempo "perdido": são os signos de um tempo que se perde. Pois não é muito sensato freqüentar a sociedade, apaixonar-se por mulheres medíocres, nem mesmo despender tantos esforços de imaginação diante de um pilriteiro, quando melhor seria conviver com pessoas pro­fundas, e, sobretudo, trabalhar.”
Sobre a verdade. “Na verdade, “Em Busca do Tempo Perdido” é uma busca da verdade.” [...] “O ciumento sente uma pequena alegria quando consegue decifrar uma men­tira do amado, como um intérprete que consegue traduzir um trecho complicado, mesmo quando a tradução lhe revela um fato pessoalmente desagradável e doloroso.” [...] “Proust não acredita que o homem, nem mesmo um espírito supostamente puro, tenha na­turalmente um desejo do verdadeiro, uma vontade de verdade. Nós só procuramos a verdade quando estamos determinados a fazê-lo em função de uma situação concreta, quando sofremos uma espécie de violência que nos leva a essa busca.” [...] “Há sempre a violência de um signo que nos força a procurar, que nos rouba a paz.” [...] “Falta necessidade às verdades intelectuais.”
Crenças impedem o aprendizado. “1ª: [objetivismo é] atribuir ao objeto os signos de que é portador.” [...] “Pensamos que o próprio ‘objeto’ traz o segredo do signo que emite.” [...] “Relacionar um signo ao objeto que o emite, atribuir ao objeto o benefício do signo, é de início a dire­ção natural da percepção ou da representação. Mas é também a direção da memória voluntária, que se lembra das coisas e não dos signos. É, ainda, a direção do prazer e da atividade prática, que se baseiam na posse das coisas ou na consumação dos obje­tos. E, de outra forma, é a tendência da inteligência.”; 2ª: “o herói se esforça para encontrar uma compensação subjetiva à decepção com relação ao objeto.”
Sobre a essência. “é uma diferença, a Diferença última e absoluta.” [...] “Não é uma diferença empírica, sempre extrínseca, entre duas coisas ou dois objetos. Proust nos dá uma aproximação da essência quando diz que ela é alguma coisa em um sujeito, como a presença de uma qualidade última no âmago de um sujeito: diferença interna, “diferença qualitativa decorrente da maneira pela qual encaramos o mundo, diferença que, sem a arte, seria o eterno segredo de cada um de nós’.” [...] “Qualidade desconhecida de um mundo único." [...] “A essência não é apenas individual, é indivi­dualizante."
Memória voluntária. “A memória voluntária vai de um presente atual a um presente que ‘foi’, isto é, a alguma coisa que foi presente e não o é mais.” [...] “essa memória não se apodera diretamente do passado: ela o recompõe com os presentes.”
Memória involuntária. “interioriza o contexto, torna o antigo contexto inseparável da sensação presente.” [...] “o essencial na memória involuntária não é a semelhança, nem mesmo a identidade, que são apenas condições; o essencial é a diferença interiorizada, tornada imanente.” [...] “A lembrança involuntária retém os dois poderes: a diferença no antigo momento e a repetição no atual.”
A matéria em que o signo é inscrito. “Os signos mundanos são mais materiais por evoluírem no vazio. Os signos amorosos são inseparáveis da força de um rosto, da textura de uma pele, da forma e do colorido de uma face: coisas que só se espiritualizam quando a criatura amada dorme. Os signos sensíveis também são qualidades materiais, sobretudo os aromas e sabores. Somente na Arte é que o signo se torna imaterial, ao mesmo tempo que seu sentido se torna espiritual.”


Outras. “em dado momento o herói não co­nhece ainda determinado fato que virá a descobrir muito mais tarde, quando se desfizer da ilusão em que vivia. Daí o movi­mento de decepções e revelações que dá ritmo a toda a busca.”
O importante é que o herói não sabe certas coisas no início, aprende-as progressivamente e tem a revelação final. Inevitavel­mente, ele sofre decepções: "acreditava", tinha ilusões; o mundo vacila na corrente do aprendizado.”
“Em seus primeiros amores, ele faz o "objeto" se beneficiar de tudo o que ele próprio sente: o que lhe parece único em determinada pessoa parece-lhe também pertencer a essa pessoa. Tanto que os primeiros amores são orientados para a confissão, que é justamente a forma amorosa de homenagem ao objeto (devolver ao amado o que se acredita lhe pertencer).”
“O que o herói da Recherche não sabe no início da aprendizagem? Não sabe ‘que a verdade não tem necessidade de ser dita para ser manifestada, e que podemos talvez colhê-la mais seguramente sem esperar pelas palavras e até mesmo sem levá-las em conta, em mil signos exteriores’.”
“os acasos da escolha que lhe ensinam que as razões de amar nunca se encontram naquele que se ama, mas remetem a fantasmas, a Terceiros, a Temas que nele se incorporam por intermédio de complexas leis. Ao mesmo tempo, ele aprende que a confissão não é o essencial do amor e que não é necessário, nem desejável, confessar: estaremos perdidos, toda a nossa liberdade estará perdida.”
A decepção é um momento fundamental da busca ou do aprendizado: em cada campo de signos ficamos decepcionados quando o objeto não nos revela o segredo que esperávamos.”
Após a decepção fruto do objetivismo, vem a compensação subjetiva.
“Ao invés de nos conduzir a uma justa interpretação da arte, a compensação subjetiva acaba por fazer da própria obra de arte um simples elo na cadeia de nossas associações de idéias.”
Não se deve ver na arte um meio mais profundo de explorar a memória involuntária; deve-se ver na memória involuntária uma etapa, e não a mais importante, do aprendizado da arte.”
Uma diferença original preside nossos amores.”
A passagem de um amor a outro encontra sua lei no Esqueci­mento e não na memória; na Sensibilidade e não na imagina­ção.”
“Os signos do amor são acompa­nhados de sofrimento porque implicam sempre uma mentira do amado, como uma ambigüidade fundamental de que nosso ciú­me se aproveita e se nutre. Então, o sofrimento por que passa nossa senbilidade força nossa inteligência a procurar o sentido do signo e a essência que nele se encarna.”
Cada sofrimento é particular na medida em que é sentido, na medida em que é provocado por determinada criatura, em determinado amor. Mas, porque esses sofrimentos se reproduzem e se entrelaçam, a inteligência extrai deles algu­ma coisa de geral, que também é alegria.”
“Extraímos de nossas tristezas particulares uma Idéia geral; é que a Idéia era primeira, já se encontrava lá.”
“No caso dos signos mundanos, perdemos tempo porque esses signos são vazios e reaparecem, intactos ou idênticos, no final de seu de­senvolvimento.”
“O tempo do amor é um tempo perdido, porque o signo só se desenvolve na medida em que desaparece o eu que correspondia ao seu sentido.”
“Dos signos mundanos aos signos sensíveis, a relação do signo com seu sentido é cada vez mais íntima. [...]Mas apenas no nível mais profundo, no nível da arte, é que a Essência é revelada.”
“Quando atingimos a revelação da arte, aprendemos que a essência já se encontrava nos níveis mais bai­xos. Era ela que, em cada caso, determinava a relação do signo com seu sentido.”
“Os leitmotive da Recherche são: eu ainda não sabia; eu compreenderia mais tarde; quando deixava de aprender, eu não me interessava mais.”
“a busca da verdade é a aventura própria do involuntário.”
“O que nos força a pensar é o signo. O signo é o objeto de um encontro; mas é precisamente a contingência do encontro que garante a necessidade daquilo que ele faz pensar.”