quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

um dia,




ao olhar-se no espelho,



pensou:





'não sei porque ainda me impressiono



com essa idéia de outro;



todos os homens que conheci,



de perto,



eram frágeis e inseguros'.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Exercício dramático.

{Menos mal}


PERSONAGENS

A
B


Palco vazio. Não há nada.
A está deitado no chão. Cansaço. Em pouco tempo, levanta, faz dez flexões e, depois, dez abdominais. Levanta-se. Pára. Olha ao horizonte. Tira do bolso uma carteira de cigarros e um isqueiro. Finge acender um cigarro. Finge dar duas tragadas e senta-se. Finge dar cinco tragadas compulsivamente. Finge apagar o cigarro e joga-o no chão. Faz mais cinco flexões e mais cinco abdominais. Pára. Olha ao horizonte. Tira, novamente, a carteira de cigarros do bolso. Abre. Olha para o cigarro jogado ao chão. Guarda a carteira de cigarros. Pega o cigarro do chão e finge reacendê-lo. Finge dar duas tragadas. Senta. Finge fumar por um tempo. Finge apagar o cigarro. Levanta-se. Tira a carteira de cigarros do bolso. Quase finge acender um cigarro, mas senta-se. Finge acender o cigarro. Finge dar duas tragadas. Finge apagá-lo e joga-o no chão. Vai levantar, mas desiste. Pega o cigarro do chão e finge acendê-lo. Finge fumar. Ouve-se passos de alguém que se aproxima. A joga o cigarro no chão e volta a fazer flexões. Entra B trazendo duas cadeiras.

B. (empolgado, para A) Ah, você! Que bom!
A olha para trás. Sorri sutilmente. Senta-se no chão e finge reacender o cigarro que está sobre o chão. Finge tragar.
B. (sentando em uma das cadeiras) E aí, que faz?
A. (sério) Sou estudante!
B. (gargalhando) Mentira!
A. (irritado, “apagando” o cigarro) Eu sei disso.
B. Adoro quando as pessoas dizem que são estudantes!
A. Eu gosto de ser simpático.
B. (pensativo) Será que, um dia, existiram, os estudantes?
A. Da mesma maneira como acontece hoje.
B. Não acredito.
A. Perto de casa é melhor.
B. Ao menos, tem bom senso.
A. (grato) Obrigado.
Silêncio.
B. (puxando papo) Mas, e agora? Nesse momento?
A. Que é que tem?
B. Tá fazendo o que?
A. Ah, sim. Estou parando de fumar.
B. É o que vejo.
A. (alegre) Ainda bem!
B. Nada mais?
A. (pensativo) Depende...
B gosta da resposta. Silêncio.
A. E aí?
B. (mudando de semblante) Você está estranho.
A. Quem disse?
B. (imitando) “E aí...”
A. Eu sempre falo assim.
B. Nem sempre.
A. (irritado) A gente não se conhece.
B. Mas “sempre” é sempre um exagero.
A. (após uma pausa, confuso) Não sei o que dizer.
Silêncio.
A. Tem que ser: e aí?
B. “E aí” requer um complemento.
A demonstra impaciência.
B. Senão parece arrogância.
A. Nada de novo no front!
B. Não que eu ligue pra essas coisas.
A. Na verdade, eu estou cansado.
B. Imaginei.
A. Preciso me cansar de fumar.
B. Muito bom!
A. (lembrando-se) Ah! Preciso te dizer uma coisa.
B. Sabia! (B oferece a outra cadeira para que A sente-se)
A. (A nega com a cabeça enquanto fala) Sônia vai casar.
B. Me diga detalhes.
A. Procurou igreja no sábado.
B. E morar junto?
A. Não. Casar casar, de branco.
B. Menos mal.
A. (concordando) Menos mal.
B. (cruel) Mentira!
A. Eu sei.
B. (investigando) Vai casar com quem?
A. Com Neto.
B. Neto de quem?
A. Da maioria!
B. Tinha que ser. (pausa) Eles são namorados?
A. Não sei.
B. (pensativo) Na verdade, eles nem se conhecem.
A. Parece que não.
B. Que coisa!
Silêncio.
A. É verdade.
B. O que?
A. Eles não se conhecem!
B. Claro que não. Como você sabe?
A. Por causa das idéias que têm.
B. Não! Pergunto como sabe que ela vai se casar?
A. Ela me contou.
B. E disse o que?
A. Que ia casar.
B. Do nada?
A. Do nada.
B. E você não perguntou por quê?
A. Estava muito cansado.
B. Mas é isso mesmo. Todo mundo tem o direito de procurar a infelicidade.
A. Tem que tentar! A infelicidade pode estar em qualquer lugar.
B. É, a vida é isso. Acertos e erros. Um dia, a gente encontra!
A. Vou torcer por ela!
B. Pela infelicidade dela?
A. Não! Pra que consiga o que deseja.
B. Nesse caso, é a mesma coisa.
A. É verdade.
B. E sempre se consegue. (Pausa) Não posso fazer nada!
A. Nem eu.
B. Mas isso, de fato, me preocupa.
A. Por que?
B. (irritado) Ora, por que! Porque eles não se conhecem!
A. Só de longas datas.
B. (após refletir) E eu já fui casado com ele, por isso, fico mais preocupado.
A. O que ele tem?
B. Aquelas coisas corriqueiras.
A. Menos mal.
B. Pode falar assim?
A. Assim como?
B. (imitando) “Menos mal...”
A. Claro. Por que não?
B. Parece “mais maior”.
A. Você falou nestante.
B. “Nestante” também é engraçado.
A. E é mal com L.
B. (compreensivo) Menos mal.
Silêncio.
A. (num repente) Me lembrei de uma coisa.
B. Que eu nunca fui casado.
A. Isso mesmo!
B. Eu fiz de propósito.
A parece entediado com o comentário.
B. (refletindo) Se bem que nunca é sempre um exagero.
A. E sempre?
B. Também.
A. Então, agora explique.
B. Sobre eu nunca ter sido casado?
A. Sim.
B. (confessando) Eu fui casado com ele. É isso.
A. (chateado) Mas você sempre disse que nunca se casaria.
B. Sempre e nunca.
A. Que loucura!
B. Falo por experiência própria.
A. Que bom que teve essa oportunidade.
B. Por favor, não se case.
A. Sim: eu me caso.
B. Só se for com outro.
A. Isso é muito difícil!
B. Eu sei, sinto muito.
A. Diga-me: onde conheceu ele?
B. Pra que saber?
A. Pra eu nunca ir lá.
B. Eu não o conheço, esqueceu?
A. É verdade!
B. Só de nome.
A. É o suficiente...
B. (ainda no mesmo pensamento da fala anterior) E de estilo de vida.
A. É o bastante!
B. (mesma coisa) E de longe!
Silêncio
B. É isso. Pra mim, já deu!
A. Pra mim, ainda não.
B. Lastimável.
A. Vou ter que continuar buscando.
B. Casar, né?
A. E encontrar a infelicidade.
B. Foi o que disse.
A. (repreensivo) Não necessariamente.
B. É, eu sei. São os dados que me deixam assim.
A. A consciência das coisas já é um primeiro passo.
B. (como quem deseja boa sorte) Siga seu caminho!
A. Eu não vou desistir.
B. (orgulhoso) Eu desisti.
A. Não sou a favor desse otimismo.
B. Não queira negar minha trajetória!
A. Tem razão. É porque a gente não se conhece.
B. O velho preconceito.
Silêncio.
A. Agora, eu é que estou preocupado.
B. Com o que?
A. Você falou uma coisa certa...
B. Eles não se conhecem.
A. Exatamente.
B. (gabando-se) Eu poderia descrevê-lo.
A. Então, comece.
B. (seco) Não sou antiético.
A. Comece.
B. Tudo bem.
A. Obrigado!
B. Vou te mostrar somente uma coisa.
B tira uma fotografia do bolso e mostra a A.
A. (pensativo) Entendo agora...
B. Isso diz tudo.
A. Ainda mais nessa circunstância.
B. (revolta) Homem das circunstâncias!!!
A. (preocupado) Muito grave.
B. E eu não precisei dizer nada!
A. Foi ela!
B. Ela própria?
A. A fotografia!
B. Ufa!
A. Mas poderia ter sido Sônia também.
B. Eu sei disso.
Silêncio
B. Você deveria conversar com ela.
A. Acho que sim.
B. Ao menos, a história começaria pelo caminho tradicional.
A. É importante cada um fazer sua parte.
B. Mesmo que não mude em nada o curso das coisas!
A. Isso!
B. (aconselhando) Diga que está muito preocupado.
A. (buscando possibilidades) Vou dizer a ela que vá morar um tempo com ele pra ver se realmente dá certo.
B. Isso!!!
A. (mesma coisa) Vou sugerir que ela, ao menos, passe uma semana com a filha dele!
B. (espantado) Ele tem filha?
A. Claro!
B. Meu Deus! Será que é minha?
A. Você não tem filha!
B. Ainda bem.
A. É um alívio.
B. Ainda assim, espero que não seja minha.
A. Menos mal se for sua.  Você, pelo menos, é diferente.
B. (muito grato) Obrigado, mas é justamente por isso!
A. Sua filha não pode ser igual a eles.
B. Nem deve tornar-se.
A. Ah, o tornar-se...
B. As pessoas não pensam no tornar-se.
A. Porque tudo torna-se.
B. Só pode ser por isso: virou clichê!
Silêncio.
B. (após refletir) Esse casamento vai tornar-se.
A. (curioso) Óbvio, mas o que?
B. Aquelas coisas corriqueiras.
A. (frustrado) Menos mal.
B. Pelo menos, ela vai ser aceita socialmente.
A. Isso já traz uma segurança.
B. E ele também.
A. Nada de novo no front!
B. (tendo uma grande idéia) Melhor ainda se ele traí-la.
A. (empolgado) É verdade!
B. Ela vai se sentir mais leve.
A. Com certeza!
B. Vai dizer-se impressionada.
A. Vai chorar tanto!
B. Mas é de alívio!
A. Você acha que eu não sei? Ela vai casar de branco!
B. (curioso) Você já passou por isso?
A. Várias vezes! É sempre a mesma coisa!
B. Não se pode casar de branco várias vezes.
A. Não especifiquei.
B. (refletindo) Nascidos uns para os outros.
A. (corrigindo) Um para o outro...
B. (muito irritada) É por isso que sou assim! (pausa) Porque eu sei que isso de “nascidos uns para os outros”, em todos os aspectos, é mentira!
Silêncio constrangedor.
B. Desculpe. (retomando o assunto) Converse com Sônia!
A. Sim, claro! Mas, fiquei pensando... (cuidadoso) Será que, apesar de tudo, não seria interessante tentar, ao menos, falar sobre felicida...
B. (interrompendo) Não! Não tire a menina do caminho dela! (ameaçador) Depois, por outros motivos, que não os escolhidos por ela, tudo dará errado do mesmo jeito, e a culpa será somente sua! Lembre-se que ela vai se casar de branco!
A fica apreensivo.
B. Você tem de ajudá-la a alcançar os objetivos que já tem! (pausa) Isso, ao menos, é bonito.
A. É verdade. Eu sempre quis fazer coisas bonitas!
B. Então!!! É sua chance de começar a trilhar seu caminho!
A. (empolgado) Imagine, meu Deus, se ela alcança a infelicidade, pelo caminho certo, com minha ajuda?
B. Não existe caminho errado para a infelicidade. (tom ameaçador) A não ser que você queira se intrometer de modo equivocado.
A. Tem razão! Vou conversar com ela amanhã! Tomara que ela consiga! Vou esperar ansioso!
B. (irritado) Claro que ela consegue.
A. É verdade.
B. Senão, nem se casaria assim.
A. Sem conhecer, né?
B. Isso!
A. (refletindo) Sinto-me um inútil.
B. Inútil ou não, és um ser social.
A. (concentrando-se) Eu luto.
B. Tudo vai acontecer da melhor maneira!
A. Tudo!
B. (profética) Que ele a traia!
A. Por favor, para o bem dela!
B. Independente disso, você terá feito sua parte!
A. E ela terá um final triste-feliz!
B. Como previsto!
A. (otimista) Sinto-me um inútil.
B. Lembre-se do social.
A. Vai dar tudo certo.
Ambos mergulham em pensamentos, como que imaginando o que se sucederá.
A. (num repente) Vou malhar!
B. (distraído) Vai fumar?
A. Boa idéia! (A finge acender um cigarro). Sua companhia me fez bem!
B permanece indiferente ao comentário.
A. (falando baixinho, como quem conta um segredo) Foi o maior tempo que meu corpo ficou sem fumar! (silêncio) Eu tento, mas...
B. (interrompendo, desconfiado, levanta-se) Tanto faz.
A. Não, não. Obrigado mesmo.
B. Tá bom, até mais!
A sorri sutilmente. B sai andando carregando as duas cadeiras.
A. (quando B está prestes a sair) Ei!
B pára e volta o olhar para A.
A. Você vem sempre aqui?
B. (gargalhando) Você também é neto, sabia!
B sai de cena e A demonstra não ter entendido nada.
Blackout.