sexta-feira, 12 de agosto de 2011

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"Para privilegiar um certo didatismo na nossa compreensão da “Hecceidades”, vamos adotar um frágil procedimento. Suponhamos que existam dois tipo de olhar: o olhar que ver as determinações e as formas e o olhar que ver o jogo das hecceidades. O olhar da forma é aquele que se investe nos objetos, nos sujeitos determinados e tudo ele representa num jogo de analogias. Vamos tomar como exemplo nosso amigo Yuri Tripodi. Olha-se para Tripodi e se acredita que a beleza é dele, que a sensibilidade é dele, que a generosidade é dele. Neste sentido o olhar fixo dirá: eis um cara insubstituível! Como se a beleza não fosse a expressão de forças da vida, como se ela também não correspondesse a critérios que estabelece o que é belo numa determinada época e sociedade. Como se Tripodi, estivesse condenado a ser sensível e generoso e por vezes não fosse o avesso. Ao contrário, hecceidade é um individuação sem sujeito. O olhar por hecceidade capta as intensidades, as camadas, as sigularidades que se expressam na matéria e a move. O Tripodi apaixonado, o Tripodi raivoso, o Tripodi infantil, o Tripodi lobo, o Tripodi belo, o Tripodi bicho, o Tripodi tudo, o Tripodi a depender das singularidades que se atualizam nele."


[ ESPERANDO GODOT VI ]

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

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"Querida,

sobre o amor, eu li e estou de acordo com a concepção de Proust. Vale a pena tirar uns meses para ler "Em busca do tempo perdido". Segundo o narrador de Proust, o amor começa com um processo de individualização pelos signos. O sujeito que ama reconhece, na pessoa amada, signos e a qualifica com base nos signos reconhecidos. Neste momento, acredita que o que faz ela ter aquele sentimento é a pessoa amada, mas o jovem Marcel terá uma série de desilusões amorosas e continuará amando outras mulheres (Gilbert, Albertina etc). Perceberá, em algum dos volumes, que o amor não era provocado por aquelas mulheres, mas por uma expressão do desejo, de forças que nos conduz a aumentar a nossa potência, se aprendemos a nos associar com essas forças. Todavia, o livro de Proust é muito mais grandioso, pois ele vai em busca dos signos da arte, da expressão do tempo puro. Signos/essências da arte que, segundo ele, nos faz perder o medo da morte. 
Só escrevi essas linhas para não enviar o email em branco. Acredito que elas pouco ajudem. Você mesma tem que fazer seus mergulhos. Vale a pena, antes, ler o livro "Proust e os Signos" de Gilles Deleuze (formidável).
Você já leu "O jardim de Veredas que se bifurcam"? É um conto pequeno.

Um abraço, querida."


[ ESPERANDO GODOT V ]

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Sobre Hecceidades

"É muito frágil o que eu vou te falar, pois é preciso um mergulho maior nos ensinamentos de Deleuze para compreender esse conceito. Hecceidade é um ponto intenso, fluxo de sensações. Podemos tomar como exemplo nós mesmos, isto é, ao contrário de pensar que temos um único estado de ser, temos mil, a depender dos estados afetivos no qual mergulhamos. Isso não tem nada de subjetivo, nada de psicológico. A hecceidade varia conforme os afetos e os perceptos que vamos compondo.

Isso é quase nada perto da beleza desse conceito."




[ ESPERANDO GODOT IV ]

Sobre a Arte

"Cara Fada,
suponho que exista um mal entendido muito grande em relação à arte, mesmo entre os artistas. Alguns acreditam que a arte é um adorno, um recurso estético para enfeitar a vida. Mas, de maneira nenhuma, a prática dos grandes artistas se reduz a isso, é muito pouco. Ao contrário, a arte nos apresenta novas possibilidades de vida, novas formas de composição com a vida. A arte trapaceia a mesquinhez da nossa percepção interessada e nos faz criar e viver novos mundos. Como disse Proust, na entrevista concedida ao Jornal Le Temps: 'O prazer que nos dá um artista é de nos fazer conhecer um universo a mais.' Uma maioria pensa que Cezanne dedicou a vida a pintar maçãs e paisagens, mas o próprio Cezanne, em suas cartas, desfaz o mal entendido, dizendo: 'Jamais minha prática se voltou a pintar maçãs. Todo meu esforço foi pintar as forças que se expressam nesses corpos. É por isso que digo que minha prática-arte se põe a fazer visível o invisível. "

Pois, então, querida amiga, o artista é a ponto entre o homem e o super-homem, entre o organismo e o corpo sem orgãos, entre o teatro fixo e o teatro mágico. É o artista o revolucionário que mergulha no caos e, dentro dele, cria novos mundos.

 
Abraço, querida."
 
 
[ ESPERANDO GODOT III ]

Quem és?

"Querida Fada do Botequim,
 
'Quem você é?'. Essa é a pergunta que atravessou os séculos. 'Descubra', 'deixe se povoar pela sua preciosa solidão', 'ninguém te salvará'! Essas são as frases que parecem se insinuar nas cartas de Rilke ao jovem poeta. Não é diferente de Hermann Hesse quando nos apresenta 'O Lobo da Estepe'.

Querida amiga, quando diluimos o lobo e descobrimos as infinitas mônadas, já não podemos falar o que somos. Mas, para satisfazer o uso comum da linguagem gregária, deixo que me chamem de Godot, Mônadas, Corpo sem Orgãos. Mas, os nomes pouco importam, não é? Eu gosto mesmo é dos "Jardins de Veredas que se bifurcam", é nele que Borges encontra com a eternidade.
 
Infelizmente, tenho limites para escrever e devo respeitá-los."
 
 
[ ESPERANDO GODOT II ]

Expressar as mônadas.

"QUERIDA AMIGA,
HOJE A PARTIR DAS QUATRO NO TEATRO MÁGICO
SÓ PARA LOUCOS
ENTRADA AO PREÇO DA RAZÃO
PARA OS RAROS SOMENTE."



[ ESPERANDO GODOT I ]