quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Ética a Nicômaco - Aristóteles

(breves anotações) / * Nota pessoal

“o hábito, meu caro, não é senão uma longa prática que acaba por fazer-se natureza.” (aRiStÓtELeS).

"Por isso, as pessoas que se encontram nos extremos empurram uma para a outra a intermediária: o homem bravo é chamado de temerário pelo covarde e de covarde pelo temerário, e analogamente com os outros casos."

* O homem incapaz de perceber as virtudes alheias em função de seus próprios vícios.

- A virtude moral é um meio termo.

"em todas as coisas, o agradável e o prazer é aquilo de que mais devemos defender-nos, pois não podemos julgá-lo com imparcialidade."

- Quem decide até que ponto um homem pode desviar-se sem merecer censura é a percepção e não o raciocínio.

- INVOLUNTÁRIO: coisas que ocorrem sob compulsão ou por ignorância;
- VOLUNTÁRIO: quando no homem agente se encontra o princípio que move as partes apropriadas do corpo em tais ações.

"Tudo que se faz por ignorância é não-voluntário, e só o que produz dor e arrependimento é involuntário."

"a escolha, para os espíritos discriminadores, parece estar mais estritamente ligada à virtude que as ações."

"a escolha parece relacionar-se com as coisas que estão em nosso poder."

"a escolha envolve um princípio racional e o pensamento."

"Deliberamos sobre as coisas que estão ao nosso alcance e podem ser realizadas."

- + DÚVIDAS --> + DELIBERAR / DESEJO TEM POR OBJETO O FIM.

"O homem é um princípio motor de ações."

"aquilo por que nos decidimos em resultado da deliberação é o objeto de escolha." "a escolha é um desejo deliberado de coisas que estão ao nosso alcance."

"depende de nós praticar atos nobres ou vis, e se é isso que se entende por bom ou mau, então depende de nós sermos virtuosos ou viciosos."

"e sucede até que um homem seja punido pela sua própria ignorância quando o julgam responsável por ela."

"ignorar que é pelo exercício de atividades sobre objetos particulares que se formam as disposições de caráter é de homem verdadeiramente insensato."

“[*com o injusto e o intemperante] a princípio dependia deles não se tornarem homens dessa espécie, de modo que é por sua própria vontade que são injustos e intemperantes; e agora que se tornaram tais, não lhes é possível ser diferentes."

"Dos vícios do corpo, pois, os que dependem de nós são censurados e os que não dependem não o são."

"Visar ao fim não depende da nossa escolha, mas é preciso ter nascido com um sexto sentido, por assim dizer, que nos permita julgar com acerto e escolher o que é verdadeiramente bom."

- Dotes naturais? * Adquiridos nos primeiros anos de vida: valores.

"no homem mau está igualmente presente aquilo que depende dele próprio em seus atos, embora não na sua escolha de um fim."

"ninguém como o homem bravo é capaz de fazer frente ao que aterroriza o comum das pessoas."

"Dos erros que se pode cometer, um consiste em temer o que não se deve, outro em temer como não se deve, outro quando não se deve e assim por diante."

- Cada coisa é definida pelo seu fim.

"o que o bravo é com relação às coisas terríveis, o temerário deseja parecer." ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------> Mistura de temeridade e covardia, porque embora mostrem arrojo em tais situações, não se mantêm firmes contra o que é realmente terrível.

"A covardia, a temeridade e a bravura relacionam-se com os mesmos objetos, mas revelam disposições diferentes para com eles."

"O homem corajoso escolhe e suporta coisas porque é nobre fazê-lo, ou porque é vil deixar de fazê-lo."

"Não são bravas, pois, aquelas criaturas que a dor ou a paixão impele para diante do perigo."

"os atos previstos podem ser escolhidos por cálculo e regra, mas os atos imprevistos devem estar de acordo com a disposição de caráter do agente."

"a coragem envolve dor e é justamente louvada por isso, pois mais difícil é enfrentar o que é doloroso do que abster-se do que é agradável."

"a finalidade que a coragem se propõe dir-se-ia que é agradável, mas é encoberta pelas circunstâncias do caso."

TEMPERANÇA: meio-termo em relação aos prazeres, está relacionada aos prazeres do corpo, pois quem "fofoca" em excesso, e sente prazer nisto, não é chamado de intemperante e sim mexeriqueiro.

- A intemperança nos domina não como homens, mas animais.

"o excesso em relação aos prazeres é intemperança, e é culpável."

- O intemperante sofre mais do que deve com a ausência do agradável.

- Os insensíveis são quase inexistentes, pois não preferir algo ao invés de outro algo é inumano - sem nome.

"A intemperança assemelha-se mais a uma disposição voluntária que a covardia, pois a primeira é atuada pelo prazer e a segunda pela dor."

"os apetites devem ser poucos e moderados e não se oporem de modo algum ao princípio racional."

"O homem liberal é louvado no tocante ao dar e receber riquezas - e especialmente ao dar."

RIQUEZAS: todas as coisas que o valor se mede pelo dinheiro. / PRODIGALIDADE e AVAREZA: excesso e deficiência.

"As ações virtuosas são praticadas tendo em vista o que é nobre."

"Não é fácil a um homem liberal ser rico, pois não é inclinado nem a tomar nem a conservar, mas a dar, e não estima a riqueza por si mesma, e sim como instrumento de sua liberalidade."

- o pródigo parece ser superior ao avaro, pois é curado de seu vício tanto pelos anos, como pela pobreza, podendo então aproximar-se da disposição intermediária.

"não é próprio de um homem malvado ou ignóbil exceder-se no dar e no não receber, mas apenas de um tolo."

AVAREZA: deficiência no dar e excesso no tomar.

MAGNIFICÊNCIA: gasto apropriado que envolve grandes quantias. MESQUINHEZ e VULGARIDADE: deficiência e excesso.

"A magnificência é um atributo dos gastos que chamamos honrosos, como os que se relacionam com os deuses - ofertas votivas, construções, sacrifícios."

"a despesa justa é que é virtuosa."

"O vulgar e extravagante excede, gastando além do que é justo. Com efeito, em pequenos objetos de dispêndio ele gasta muito e revela uma ostentação de mau gosto."

"O mesquinho (...) em tudo que faz hesita, estuda a maneira de gastar menos, lamenta até o pouco que dispende e julga estar fazendo tudo em maior escala do que devia."

"o magnânimo é o homem que com a razão se considera digno das grandes coisas."

- magnanimidade implica grandeza.

MAGNANIMIDADE: VAIDADE e HUMILDADE indevida, excesso e deficiência.

"é a honra que os magnânimos parecem ter em mente."

"os bens de fortuna também contribuem para a magnanimidade."

"Sem virtude não é fácil carregar os bens da fortuna."

"O magnânimo expressa-se com fraqueza por desdém e é afeito a dizer a verdade, salvo quando fala com ironia às pessoas vulgares."

"os homens desejam a honra não só mais como também menos do que devem; logo, é possível desejá-la também como se deve. Em todo caso, é essa disposição de caráter que se louva e que é um meio-termo sem nome no tocante à honra."

"CALMA": "PACATEZ" e "IRASCIBILIDADE", excesso e deficiência.

- Nas pessoas irascíveis, a cólera, que se manifesta depressa com pessoas e coisas indébitas e mais do que convém, não tarda a passar já que estas pessoas não refreiam sua ira. As pessoas birrentas, que refreiam sua cólera, só aliviam-se quando se vingam.

- Mal-humorados se encolerizam com o que não devem, mais do que devem e por mais tempo.

"não é fácil definir como, com quem, com que coisa e por quanto tempo devemos irar-nos, e em que ponto termina a ação justa e começa a injusta."

* Partindo-se do pressuposto, por exemplo, que uma pessoa estava "reservada" e é, por algum motivo, ofendida por outra e encoleriza-se por isso, creio que a medida que a cólera deverá ser manifestada é a medida de sua satisfação, pois por mais que a pessoa ofendida traga, com a cólera, questões diversas ao tema da ofensa, a pessoa que primeiro ofendeu corre esse risco ao cometer a ofensa e, portanto, não está sendo injustiçada.

"a decisão depende das circunstâncias e da percepção."

OBSEQUIOSO e GROSSEIRO: deficiência e excesso. O meio-termo encontra-se no "homem que se conforma e se rebela ante as coisas que devem da maneira devida."

JACTÂNCIA (excesso - pior) e FALSA MODÉSTIA: "o meio-termo não exagera nem subestima e é veraz tanto em seu modo de viver como em suas palavras, declarando o que possui, porém nem mais nem menos." (VERACIDADE: meio-termo)

"não é a capacidade que faz o jactancioso, mas o propósito."

"Os que levam a jocosidade ao excesso são considerados farsantes vulgares que procuram ser espirituosos a qualquer custo."

"os que não sabem gracejar, nem suportam os que o fazem, são rústicos e impolidos."

ESPIRITUOSOS: FARSANTES e RÚSTICOS, excesso e deficiência.

"os lazeres e a recreação são considerados um elemento necessário à vida."

- a vergonha se assemelha mais a um sentimento que a uma disposição de caráter e é definida como uma espécie de medo da desonra. - DEVE APENAS APRESENTAR-SE EM JOVENS.

JUSTIÇA: "disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, que as faz agir justamente e desejar o que é justo." - A mesma coisa com a injustiça.

“nas disposições que tomam sobre todos os assuntos, as leis têm em mira a vantagem comum.”

“a lei nos ordena praticar tanto os atos de um homem bravo, quanto os de um homem temperante e os de um homem calmo, e do mesmo modo com respeito às outras virtudes e formas de maldade, prescrevendo certos atos e condenando outros.”

“somente a justiça entre todas as virtudes é o bem de um outro.”

Nesse sentido, a virtude e a justiça “são elas a mesma coisa, mas não o é em sua essência. Aquilo que, em relação ao próximo, é justiça, como uma determinada disposição de caráter e em si mesmo, é virtude.”

O OBJETO DE INVESTIGAÇÃO É AQUELA JUSTIÇA QUE CONSTITUI UMA PARTE DA VIRTUDE

“quando um homem tira proveito de sua ação, esta não é atribuída a nenhuma outra forma de maldade que não à injustiça.”

è O significado de ambas as injustiças, a ampla e a particular, consiste numa relação com o próximo.
“em toda espécie de ação em que há o mais e o menos, há o igual.” à (espécie do justo) A) Justiça distributiva.

“Se não são iguais, não recebem coisas iguais; mas isso é origem de disputas e queixas: ou quando têm e recebem partes desiguais, ou quando desiguais recebem partes iguais. Isto, aliás, é evidente pelo fato de que as distribuições devem ser feitas ‘de acordo com o mérito’; pois todos admitem que a distribuição justa deva concordar com o mérito num sentido qualquer, se bem que nem todos especifiquem a mesma espécie de mérito, mas os democratas o identificam com a condição de homem livre, os partidários da oligarquia com a riqueza (ou com a nobreza de nascimento), e os partidários da aristocracia com a excelência.”

“O justo é, pois, uma espécie de termo proporcional.”

“O injusto é o que viola a proporção.”

“o homem que age injustamente tem excesso e o que é injustamente tratado tem demasiado pouco do que é bom.”

B) A outra [espécie] do justo “é a [Justiça] corretiva que surge em relação com transações tanto voluntárias como involuntárias.”

“no caso em que um recebe e o outro infligiu um ferimento, ou um matou e o outro foi morto, o sofrimento e a ação foram desigualmente distribuídos; mas o juiz procura igualá-los por meio da pena, tomando uma parte do ganho do acusado.”

“uma vez estimado o dono, um é chamado perda e o outro, ganho.”

“a justiça corretiva será o intermediário entra a perda e o ganho.”

“Eis aí porque as pessoas em disputa recorrem ao juiz; e recorrer ao juiz é recorrer à justiça, pois a natureza do juiz é ser uma espécie de justiça animada; e procuram o juiz como um intermediário, e em alguns Estados os juízes são chamados mediadores, na convicção de que, se os litigantes conseguirem o meio-termo, conseguirão o que é justo.”

“tanto devemos subtrair do que tem mais como acrescentar ao que tem menos.”

“a reciprocidade deve fazer-se de acordo com uma proporção e não na base de uma retribuição exatamente igual.”

à As pessoas, em certo modo, diferentes e desiguais (por exemplo, um médico e um agricultor) devem ser igualadas. “Eis por que todas as coisas que são objetos de troca devem ser comparáveis de um modo ou de outro. Foi para esse fim que se introduziu o dinheiro, o qual se torna, em certo sentido, um meio-termo, visto que mede todas as coisas e, por conseguinte, também o excesso e a falta – quantos pares de sapato são iguais a uma casa ou a uma determinada quantidade de alimento.”

“O número de sapatos trocados por uma casa deve corresponder à razão entre o arquiteto e o sapateiro.”

“o dinheiro tornou-se uma espécie de representante da procura.” à O dinheiro (medida) existe por lei e não por natureza, sendo uma unidade para igualar as coisas, proporcionando a troca.

“a ação justa é intermediária entre o agir injustamente e ser vítima de injustiça.”

à Um homem não deve governar e sim o “PRINCÍPIO RACIONAL”, pois um homem o faz em seu próprio interesse e converte-se num tirano.

“não pode haver justiça no sentido incondicional em relação a coisas que nos pertencem.”

“Não pode haver injustiça contra si próprio.”

“Da justiça política, uma parte é natural e a outra parte legal: natural, aquela que tem a mesma força onde quer que seja e não existe em razão de pensarem os homens deste ou daquele modo; legal, a que de início é indiferente, mas deixa de sê-lo depois que foi estabelecida.”

“uma coisa é injusta por natureza ou por lei; e essa mesma coisa, depois que alguém a faz, é um ato de injustiça.”

“um homem age de maneira justa ou injusta sempre que pratica tais atos voluntariamente.”

“Por voluntário entendo tudo aquilo que um homem tem o poder de fazer e que faz com conhecimento de causa, isto é, sem ignorar a pessoa atingida pelo ato, nem o instrumento usado, nem o fim que há de alcançar; (...), além disso, cada um desses atos não deve ser acidental nem forçado.”

“Dos atos voluntários, praticamos alguns por escolha e outros não.”

“se consideram os atos originados da cólera como impremeditados, pois a causa do mal não foi o homem que agiu sob o impulso da cólera, mas aquele que o provocou.”

“se um homem prejudica outro por escolha age injustamente.”

“é possível participar acidentalmente da justiça e do mesmo modo da injustiça.”

“praticar um ato injusto não é o mesmo que agir injustamente, nem sofrer injustiça é o mesmo que ser injustamente tratado.” * isto envolve voluntariedade ou não.

“se agir injustamente não é mais que prejudicar voluntariamente a alguém e o homem incontinente prejudica voluntariamente a si mesmo, não só ele será injustamente tratado por seu querer como também será possível tratar a si mesmo injustamente.”

“Por outro lado, um homem pode voluntariamente, devido à incontinência, sofrer algum mal da parte de outro que age voluntariamente, de modo que seria possível ser injustamente tratado por seu próprio querer.”

“o homem incontinente faz coisas que pensa não dever fazer.”

“o ser injustamente tratado não é voluntário” à Pois, deseja-se o bem mesmo que se alcance o mal.

“Assim, um homem poderia ser voluntariamente prejudicado e voluntariamente sofrer injustiça, mas ninguém seria injustamente tratado por seu querer; pois ninguém deseja ser injustamente tratado, nem mesmo o homem incontinente.”

“Esse homem age contrariamente ao seu desejo, pois ninguém deseja o que julga não ser bom.”

· Equidade: igualdade, justiça, retidão – Dicionário Michaelis.

“o aquinhoador age injustamente, mas isso nem sempre é verdadeiro do homem que recebeu a parte excessiva.”

“aquele que recebeu um quinhão excessivo não age injustamente, embora ‘faça’ o que é injusto.”

“a justiça é algo essencialmente humano.”

“A mesma coisa é justa e equitativa e, embora ambos sejam bons, o equitativo é superior.”

“o equitativo é justo, porém não o legalmente justo, e sim uma correção da justiça legal.”

“quando a lei se expressa universalmente e surge um caso que não é abrangido pela declaração universal, é justo, uma vez que o legislador falhou e errou por excesso de simplicidade, corrigir a omissão.”

è A equidade, disposição de caráter, é uma espécie de justiça e não uma diferente disposição de caráter.
è O suicida age injustamente para com o Estado, pois ele sofre voluntariamente e ninguém é voluntariamente tratado com injustiça. Por isso, o Estado pune o suicida.

VIRTUDE MORAL: disposição de caráter relacionada com a escolha.

“Dividimos as virtudes da alma, dizendo que algumas são virtudes do caráter e outras do intelecto.”

è A alma possui duas partes: a que concebe uma regra ou princípio racional, e a privada de razão.

“A virtude de uma coisa é relativa ao seu funcionamento apropriado.”
“Na alma, existem três coisas que controlam a ação e a verdade: sensação, razão e desejo.”

ESCOLHA: desejo deliberado. DESEJO tem de ser reto.

à O DESEJO DEVE BUSCAR O QUE AFIRMA O RACIOCÍNIO.

“A origem da ação é a escolha, e da escolha é o desejo e o raciocínio com um fim em vista.”

“A escolha não pode existir nem sem razão e intelecto, nem sem uma disposição moral.”

“Só o que se pratica é um fim irrestrito; pois a boa ação é um fim ao qual visa o desejo.”

è O vício anula a causa que originou a ação.
è Sabedoria: de todas as formas de conhecimento, a mais perfeita.

DISPOSIÇÕES EM VIRTUDE DAS QUAIS A ALMA POSSUI A VERDADE: a arte, o conhecimento científico, a sabedoria prática, a sabedoria filosófica e a razão intuitiva.

*Arte: capacidade raciocinada de produzir;
*Conhecimento científico: juízo sobre coisas universais e necessárias;
*Sabedoria Prática: capacidade verdadeira e raciocinada de agir com respeito aos bens humanos;
*Razão Intuitiva: apreende os primeiros princípios dos quais decorrem as conclusões da demonstração e o conhecimento científico;
*Sabedoria Filosófica: conhecimento científico combinado com a razão intuitiva daquelas coisas que são as mais elevadas por natureza.

“conhecimento correto é coisa que não existe, assim como não existe conhecimento errado; e a opinião correta é a verdade.”

“a inteligência limita-se a julgar.”

“discernimento é a reta discriminação do equitativo.”

“ser um homem inteligente ou de bom ou humano discernimento consiste em ser capaz de julgar as coisas com que se ocupa a sabedoria prática.”

“Assim como dizemos que algumas pessoas que praticam atos justos não são necessariamente justas, por isso, parece que, do mesmo modo, para alguém ser bom é preciso encontrar-se em determinada disposição quando pratica cada um desses atos.”

“as disposições morais a serem evitadas são de três espécies: o vício, a incontinência e a bruteza.”

“o homem incontinente, sabendo que o que faz é mau, o faz levado pela paixão, enquanto o homem continente, conhecendo como maus os seus apetites, recusa-se a segui-los em virtude do princípio racional.”

“Sugere-se que é contra a reta opinião e não contra o conhecimento que agimos de modo incontinente.”

“tanto as pessoas continentes e dotadas de fortaleza como as incontinentes e efeminadas se relacionam com prazeres e dores.”

“com referência a todos os objetos desta espécie – a riqueza, o lucro, a vitória, a honra – ou da intermediária não são censurados os por desejá-los e amá-los, mas por fazerem-no de certo modo, isto é, indo ao excesso.”

è A brutalidade está para além das fronteiras dos vícios.

“a cólera, devido à sua natureza ardente e impetuosa, embora ouvindo, não escuta as ordens e precipita-se para a vingança.”

“o raciocínio ou a imaginação nos informa de que fomos desprezados ou desconsiderados, e a cólera como que chegando à conclusão de que é preciso reagir contra qualquer coisa dessa espécie, ferve imediatamente; enquanto o apetite, mal o raciocínio ou a percepção lhe dizem que determinado objeto é agradável, corre a desfrutá-lo.”

“a cólera e a irritabilidade são mais naturais do que o apetite pelos excessos.”

“um homem colérico não se inclina a conspirar, nem o faz a própria cólera, que é aberta e franca; mas a natureza do apetite é elucidada pelo que os poetas chamam Afrodite.”

“ninguém comete desregramentos com um sentimento de dor, mas a cólera é sempre acompanhada de dor.”

è MOSTRA-SE QUE A INCONTINÊNCIA RELATIVA À CÓLERA É MENOS VERGONHOSA QUE AQUELA QUE DIZ RESPEITO AOS APETITES.

“a bruteza é um mal menor do que o vício.”

“o homem que busca o excesso das coisas agradáveis ou busca em demasia as coisas necessárias, fazendo-o deliberadamente, por elas próprias e nunca tendo em vista algum outro fim, é intemperante.”

“[o efeminado] deixa arrastar o seu manto para evitar o esforço de erguê-lo e simula doença sem se considerar infeliz, ao passo que o homem a quem ele imita é realmente infeliz.”

“alguns homens, após terem deliberado, não sabem manter, devido à emoção, as conclusões a que chegaram, enquanto outros, por não terem deliberado, são levados pela sua emoção.”
“o intemperante é incurável e o incontinente é curável.”

“a incontinência é contrária à escolha, enquanto o vício segue o que escolheu.”

INCONTINENTE: superior ao intemperante e não é mau no sentido absoluto.

“as pessoas teimosas são as opiniáticas, as ignorantes e as rústicas.”

“nem todos os que fazem alguma coisa tendo em vista o prazer são intemperantes, maus ou incontinentes, mas só os que o fazem por um prazer vergonhoso.”

HABILIDADE e SABEDORIA PRÁTICA: estão próximas uma da outra no tocante ao modo de raciocinar, mas distinguem-se quanto ao seu propósito.

“Para o amor dos objetos inanimados não usamos a palavra ‘amizade’, pois não se trata de amor mútuo, nem um deseja bem ao outro.”

“a benevolência, quando recíproca, torna-se amizade.”

“os que se amam por causa de sua utilidade não se amam por si mesmos, mas em virtude de algum bem que recebem um do outro.” à “idêntica coisa se pode dizer dos que se amam por causa do prazer.”

“os que amam por causa da utilidade, amam pelo que é bom para eles mesmos, e os que amam por causa do prazer, amam em virtude do que é agradável a eles.” à “De modo que essas amizades são apenas acidentais.” à Tais amizades se dissolvem facilmente.

“A amizade perfeita é a dos homens que são bons e afins na virtude, pois esses desejam igualmente bem um ao outro enquanto bons, e são bons em si mesmos.”

“os que desejam bem aos seus amigos por eles mesmos são os mais verdadeiramente amigos, porque o fazem em razão da sua própria natureza e não acidentalmente. Por isso, sua amizade dura enquanto bons – e a bondade é uma coisa muito durável.”

“é natural que tais amizades não sejam muito freqüentes, pois que tais homens são raros.”

“o desejo de amizade pode surgir depressa, mas a amizade não.”

“Muitos amantes são constantes, quando a familiaridade os leva a amar o caráter um do outro pela afinidade que existe entre eles.”

“por si mesmos, só os homens bons podem ser amigos.”

“A distância não rompe a amizade em absoluto, mas apenas a sua atividade.”

“dir-se-ia que o amor é um sentimento e a amizade é uma disposição de caráter.”

“um homem bom é útil e agradável.”

“existe outra espécie de amizade: a quem envolve uma desigualdade entre as partes.”

“Em todas as amizades que envolvem desigualdade, o amor também deve ser proporcional (...), pois estabelece-se, em certo sentido, a igualdade.”

“a amizade depende mais do amor que do ser amado.” à “o amor parece ser a virtude característica dos amigos.”

“A amizade com vistas na utilidade parece ser a que mais facilmente se forma entre contrários (...) porque um homem ambiciona aquilo que lhe falta e dá algo em troca.”

“das amizades, também algumas são verdadeiras amizades em maior e outras em menor grau.”

“as imposições da justiça também parecem aumentar com a intensidade da amizade, o que implica que a amizade e a justiça existem entre as mesmas pessoas e são coextensivas.”

“O desvio da MONARQUIA é a *TIRANIA” à ambas são formadas de governo de um só homem; o tirano visa à sua própria vantagem, o rei à vantagem de seus súditos.

“A ARISTOCRACIA degenera em *OLIGARQUIA pela ruindade dos governantes que distribuem sem equidade o que pertence ao Estado.”

“A TIMOCRACIA degenera em *DEMOCRACIA.” à ambas são coextensivas, já que a própria timocracia tem como o ideal o governo da maioria e os que não têm posses são contados como iguais aos outros.

*Perversões

“A democracia é a menos má das três espécies de perversão, pois no seu caso a forma de constituição não apresenta mais que um ligeiro desvio.”

“o ideal da monarquia é ser uma forma paternal de governo.”

“cada uma das constituições comporta amizade na exata medida em que comporta justiça.”

“Duas coisas que muito contribuem para a amizade são a educação em comum e a semelhança de idade.”

“Surgem desentendimentos quando o que as pessoas obtêm é algo diferente daquilo que desejam.”
“o propósito é o que caracteriza tanto um amigo como a virtude.”

“as discussões a respeito de sentimentos e ações são tão definidas ou indefinidas quanto os seus objetos.”

“a existência é boa para o homem virtuoso.”

“não é possível que duas pessoas sejam amigas se antes não sentiram benevolência uma para com a outra, mas pelos simples fato de sentirem benevolência não se pode dizer que sejam amigas.”

“É a respeito das coisas a fazer que se diz que as pessoas são unânimes.” AMIZADE POLÍTICA.

“O que é agradável é a atividade do presente, a esperança do futuro e a memória do passado.”

“Se um homem fizesse sempre questão de que ele mesmo, acima de todas as coisas, agisse com justiça e temperança ou de acordo com qualquer outra virtude, e em geral procurasse sempre assumir para si a conduta mais nobre, ninguém chamaria de amigo de si mesmo a um tal homem e ninguém o censuraria. No entanto, ele parece ser mais amigo de si mesmo que [qualquer] outro.”

“as coisas que os homens fazem de acordo com um princípio racional são consideradas mais legitimamente atos seus, e atos voluntários.”

“se todos ambicionassem o que é nobre e dedicassem o melhor de seus esforços à prática das mais nobres ações, todas as coisas correriam para o bem comum e cada um obteria para si os maiores bens, já que a virtude é o bem maior que existe.”

“ninguém escolheria a posse do mundo inteiro sob a condição de viver só, já que o homem é um ser político e está em sua natureza o viver em sociedade.”

NATUREZA DA OPOSIÇÃO ENTRE DOR E PRAZER: os homens evitam uma como um mal e escolhem o outro como um bem.

“nem o prazer é o bem, nem todo prazer é desejável, e que alguns prazeres são desejáveis por si mesmos, diferindo eles dos outros em espécie ou quanto às suas fontes.”

“Na medida, pois, em que tanto o objeto inteligível ou sensível como a faculdade discriminadora ou contemplativa forem tais como convém, a atividade será acompanhada de prazer.”

“cada atividade é intensificada pelo prazer que lhe é próprio.”

“felicidade é o fim da natureza humana.”

“uma vida virtuosa exige esforço e não consiste e divertimento.”

“a atividade da sabedoria filosófica é a mais aprazível das atividades virtuosas.”

“a felicidade perfeita é uma atividade contemplativa.”
“No tocante à virtude, pois, não basta saber, devemos tentar possuí-la e usá-la ou experimentar qualquer outro meio que se nos antepare de nos tornarmos bons.”

A Odisséia de Penélope





Si como per levar, Donna, si pone
In pietra alpestra e dura
Una viva figura,
Che lá piú cresce, u’piú la pietra scema:
Tal alcun’opre buone,
Per l’alma, che pur trema,
Cela il soverchio della propria carne
Com l’inculta sua cruda e dura scorga.
Tu pur dalle mie streme
Parti puo’sol levarme,
Ch’in me non è di me voler nè forza.
(Michelangelo)


Tradução:

Assim como ao retirar, Senhora, surge
De uma pedra alpestre e dura
Uma viva figura
Que cresce mais lá onde a pedra diminui:
Assim certas suas obras
Para a alma que estremece,
Ocultam a massa da própria carne
Com sua casca inculta e bruta.
Mas apenas tu de minhas partes
Extremas podes me livrar,
Pois em mim não há nem força nem vontade.
(Michelangelo)

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O TEATRO E SEU DUPLO - Antonin Artaud

Antonin Artaud





(trechos)




Prefácio:


"nunca se viram tantos crimes, cuja gratuita estranheza só se explica por nossa impotência para possuir a vida."




O Teatro e a Peste:


"Sob a ação do flagelo, os quadros da sociedade se liquefazem. A ordem desmorona. Ele assiste a todos os desvios da moral, a todas as derrocadas da psicologia, escuta em si mesmo o murmúrio de seus humores, corroídos, em plena destruição."

"não se morre nos sonhos, neles a vontade atua até o absurdo, até a negação do possível, até uma espécie de transmutação da mentira com a qual se refaz a verdade."


"O mal que lhes corrói as vísceras, que anda por seu organismo inteiro, libera-se em jorros através do espírito."


"O teatro, isto é, a gratuidade imediata que leva a atos inúteis e sem proveito para o momento presente."


"O estado do pestífero que morre sem destruição da matéria, tendo em si todos os estigmas de um mal absoluto e quase abstrato, é idêntico ao estado do ator integralmente penetrado e transformado por seus sentimentos, sem nenhum proveito para a realidade. Tudo no aspecto físico do ator, assim como no do pestífero, mostra que a vida reagiu ao paroxismo e, no entanto, nada aconteceu."


"e é aqui que, em sua gratuidade, a ação de um sentimento no teatro surge como algo infinitamente mais válido do que a ação de um sentimento realizado."


"Assim como não é impossível que o desespero inútil e os gritos de um alienado num asilo causem a peste, por uma espécie de reversibilidade de sentimentos e de imagens, do mesmo modo pode-se admitir que os acontecimentos exteriores, os conflitos políticos, os cataclismos naturais, a ordem da revolução e a desordem da guerra, ao passarem para o plano do teatro, se descarreguem na sensibilidade de quem os observa com a força de uma epidemia."


"Como a peste, o jogo teatral seja um delírio e seja comunicativo."


"O espírito acredita no que vê e faz aquilo em que acredita: esse é o segredo do fascínio."


"Uma verdadeira peça de teatro perturba o repouso dos sentidos, libera o inconsciente comprimido, leva a uma espécie de revolta virtual, impõe às coletividades reunidas uma atitude heróica e difícil."


"Como a peste, o teatro é portanto uma formidável convocação de forças que reconduzem o espírito à origem de seus conflitos."


"...como a peste, [o teatro] é a revelação, a afirmação, a exteriorização de um fundo de crueldade latente através do qual se localizam no indivíduo ou num povo todas as possibilidades perversas do espírito."


"O teatro, como a peste, é feito à imagem dessa carnificina, dessa essencial separação. Desenreda conflitos, libera forças, desencadeia possibilidades e, se essas forças são negras, a culpa não é da peste ou do teatro, mas da vida."


"O teatro, como a peste, é uma crise que se resolve pela morte ou pela cura."


"a ação do teatro, como a da peste, é benfazeja, pois, levando os homens a se verem como são, faz cair a máscara, põe a descoberto a mentira, a tibieza, a baixeza, o engodo; sacode a inércia asfixiante da matéria que atinge até os dados mais claros dos sentidos; e, revelando para coletividades o poder obscuro delas, sua força oculta, convida-as a assumir diante do destino uma atitude heróica e superior que, sem isso, nunca assumiriam."



A Encenação e a Metafísica


"ao lado de Loth e suas filhas, há uma idéia sobre a sexualidade e a reprodução. (...) É quase a única idéia social que a pintura contém. Todas as outras são idéias metafísicas."


"Essa pintura é o que o teatro deveria ser, se soubesse falar a linguagem que lhe pertence."


"Como é que no teatro, pelo menos no Ocidente, tudo que é especificamente teatral seja deixado em segundo plano?"


"Como é que o teatro ocidental não enxerga o teatro sob um outro aspecto que não o do teatro dialogado?"


"A cena é um lugar físico e concreto que pede para ser preenchido e que se faça com que ela fale sua linguagem concreta."


"A linguagem física, essa linguagem material e sólida através da qual o teatro pode se distinguir da palava consiste em tudo que ocupa a cena (...) e que se dirige antes de mais nada aos sentidos em vez de se dirigir em primeiro lugar ao espírito, como a linguagem da palavra."


"a substituição da poesia da linguagem por uma poesia no espaço que se resolverá exatamente no domínio do que não pertence estritamente às palavras."


"se um som como no Teatro de Bali equivale a um gesto, e em vez de servir de cenário, de acompanhamento de um pensamento, faz com que ele evolua, o dirige, o destrói ou o transforma definitivamente..."


"Uma forma dessa poesia no espaço pertence à linguagem através dos signos."


"Por, 'pantomima não pervertida' entendo a pantomima direta em que os gestos representam idéias, atitudes do espírito, aspectos da natureza e isso de um modo efetivo e concreto, isto é, evocando sempre objetos ou detalhes naturais, ao invés de representarem palavras, corpos de frases."


"em nosso teatro, que vive sob a ditadura exclusiva da palavra, essa linguagem de signos e de mímica, essa pantomima silenciosa, essas atitudes, esses gestos no ar, essas entonações objetivas, (...) tudo o que considero como especificamente teatral no teatro, constitui para todo o mundo a região baixa do teatro."


"O teatro é a encenação, muito mais do que a peça escrita e falada."


"A idéia de uma peça feita diretamente em cena impõe a descoberta de uma linguagem ativa e anárquica, em que sejam abandonadas as delimitações habituais entre os sentimentos e as palavras."


"Um teatro que submete ao texto a encenação e a realização é um teatro de idiota, louco, invertido, gramático, merceeiro, antipoeta e positivista."


"É raro que o debate [no teatro] se eleve ao plano social e que se critique nosso sistema social e moral."


"Todas as preocupações [representadas no teatro ocidental] infestam o homem de um modo inverossímil, o homem provisório e material."


"O teatro contemporâneo está em decadência porque rompeu com o espírito de anarquia profunda que está na base de toda poesia."


"Compreende-se assim que a poesia é anárquica na medida em que põe em questão todas as relações entre os objetos e entre as formas e suas significações."

O Teatro da Crueldade
(segundo manifesto)


"No teatro oriental de tendências metafísicas todo esse amontoado compacto de gestos, signos, atitudes, sons, que constituem a linguagem da realização e da cena, essa linguagem que desenvolve todas as suas consequências físicas e poéticas em todos os planos da consciência e em todos os sentidos, leva necessariamente o pensamento a assumir atitudes profundas que são o que poderíamos chamar de METAFÍSICA EM ATIVIDADE."


"No ponto em que estamos, perdemos qualquer contato com o verdadeiro teatro, já que o limitamos ao domínio do que o pensamento cotidiano pode alcançar, ao domínio conhecido ou desconhecido da consciência. E se nos dirigimos teatralmente ao inconsciente é apenas para lhe arrancar o que ele conseguiu recolher (ou ocultar) da experiência acessível cotidiana."



O Teatro Alquímico


"O teatro, assim como a alquimia, quando considerado em seu princípio, está vinculado a um certo número de bases, que são as mesmas para todas as artes e que visam, no domínio espiritual e imaginário, uma eficácia análoga àquela que, no domínio físico, permite realmente a produção de ouro."


"Tanto o teatro quanto a alquimia são 'artes virtuais' e que carregam em si tanto sua finalidade quanto sua realidade."


"O Teatro deve ser considerado como o Duplo de uma realidade perigosa e típica, em que os princípios, assim que 'mostram a cabeça', apressam-se a voltar à escuridão das águas."


"Esta realidade é inumana e nela o homem conta muito pouco com seus costumes ou com seu caráter."


"O Teatro é uma miragem."


"O teatro típico e primitivo, com o tempo deixou de produzir a imagem e, em vez de ser um meio de expansão, já não é mais que um beco sem saída e um cemitério para o espírito."



Sobre o Teatro de Bali



"Surge o sentido de uma nova linguagem física baseada nos signos e não mais nas palavras."


"O domínio do Teatro não é psicológico, mas plástico e físico. E não se trata de saber se a linguagem física do Teatro é capaz de chegar às mesmas resoluções psicológicas que a linguagem das palavras, se consegue expressar sentimentos e paixões tão bem quanto as palavras, mas de saber se não existe no domínio do pensamento e da inteligência atitudes que as palavras sejam incapazes de tomar e que os gestos e tudo o que participa da linguagem no espaço atingem com mais precisão do que elas."


"Todo verdadeiro sentimento é intraduzível. Expressá-lo é traí-lo."


"Mudar a destinação da palavra no Teatro é servir-se dela num sentido concreto e espacial."


TEATRO ORIENTAL: tendências metafísicas
TEATRO OCIDENTAL: tendências psicológicas




Acabar com as Obras-Primas


"Uma das razões da atmosfera asfixiante é o respeito pelo que é escrito, formulado ou pintado e que tomou forma, como se toda expressão já não estivesse exaurida e não tivesse chegado ao ponto em que é preciso que as coisas arrebentem para se começar tudo de novo."


CONFORMISMO BURGUÊS: idolatria das obras-primas fixadas


"É a nossa veneração diante do que já foi feito, por mais belo e válido que seja, que nos petrifica, nos estabiliza e nos impede de tomar contato com a força que está por baixo - que ela seja chamada de energia pensante, força vital etc."


"Sob a poesia dos textos existe a poesia tout court, sem forma e sem texto. E, tal como se esgota a eficácia das máscaras que servem às operações de magia de certos povos - e então essas máscaras só servem para serem jogadas nos museus - do mesmo modo se esgota a eficácia poética de um texto."


"Teatro da Crueldade quer dizer teatro difícil e cruel."


"Não somos livres. E o céu ainda pode desabar sobre nossas cabeças. E o teatro é feito para, antes de mais nada, mostrar-nos isso."




O Teatro e a Crueldade

"precisamos de um teatro que nos desperte: nervos e coração."

"o Teatro da Crueldade propõe-se a procurar na agitação de massas importantes um pouco da poesia que se encontra nas festas e nas multidões no dia em que os povos sai às ruas."

"Acreditamos que há, no que se chama poesia, forças vivas, e que a imagem de um crime apresentada nas condições teatrais adequadas funciona para o espírito como algo infinitamente mais temível que o próprio crime realizado."

"No período angustiante e catastrófico em que vivemos, sentimos a necessidade urgente de um teatro cuja ressonância em nós seja profunda, domine a instabilidade dos tempos."

"É para apanhar a sensibilidade do espectador por todos os lados que preconizamos um espetáculo giratório que, em vez de fazer da cena e da sala dois mundos fechados, sem comunicação possível, difundas seus lampejos visuais e sonoros sobre toda a massa dos espectadores."

"a participação reduzida do entendimento leva a uma compreensão enérgica do texto."

"o primeiro espetáculo do Teatro da Crueldade se fará sobre as preocupações de massas, bem mais urgentes e inquietantes do que as de qualquer indivíduo."


O Teatro da Crueldade
(primeiro manifesto)

"o Teatro só é válido se tiver uma ligação mágica, atroz, com a realidade e com o perigo."

"não serão devolvidos ao teatro seus poderes específicos de ação antes de lhe ser devolvida sua linguagem."

"Essa linguagem só pode ser definida pelas possibilidades da expressão dinâmica e no espaço, em oposição às possibilidades da expressão pela palavra dalogada."

"Trata-se, para o teatro, de criar uma metafísica da palavra, do gesto, da expressão, com vistas a tirá-lo de sua estagnação psicológica e humana."

"Essas idéias que se referem à Criação, ao Devir, ao Caos, e que são todas de ordem cósmica, forneceu uma primeira noção de um domínio do qual o teatro se desacostumou totalmente."

"Rompe enfim com a sujeição intelectual nova e mais profunda, que se oculta sob os gestos e sob os signos elevados à dignidade de exorcismos populares."

"Importa que, através de meios seguros, a sensibilidade seja colocada num estado de percepção mais aprofundada e mais apurada, é esse o objetivo da magia e dos ritos, dos quais o teatro é apenas um reflexo."


  • TÉCNICA:

"O Teatro só poderá voltar a ser ele mesmo se fornecer ao espectador verdadeiros precipitados de sonhos, em que seu gosto pelo crime, suas obsessões eróticas, sua selvageria, suas quimeras, seu sentido utópico da vida e das coisas, seu canibalismo mesmo se expandam, num plano não suposto e ilusório, mas interior."

"Uma espécie de criação total, em que não reste ao homem senão retomar seu lugar entre os sonhos e os acontecimentos."

  • OS TEMAS:

É preciso que chaves profundas do pensamento e da ação para se ler todo o espetáculo existam e nos digam respeito.

  • O ESPETÁCULO

"Todo espetáculo conterá um elemento físico e objetivo, sensível a todos."

  • A ENCENAÇÃO

"É em torno da encenação que será constituída a linguagem-tipo do teatro."

Haverá a dissolução da dualidade entre autor e diretor, substituídos por um "Criador Único", a quem caberá a dupla responsabilidade pelo espetáculo e pela ação."

  • A LINGUAGEM DA CENA

"Não se trata de suprimir o discurso articulado, mas de dar às palavras, mais ou menos, a importância que elas têm nos sonhos." (LINGUAGEM CONCRETA DA CENA)

  • OS INSTRUMENTOS MUSICAIS

"Serão usados em sua condição de objetos e como se fizessem parte do cenário."

Na necessidade de agir diretamente e profundamente sobre a sensibilidade pelos orgãos.

Procurar qualidades e vibrações de sons absolutamente incomuns.

  • A LUZ - AS ILUMINAÇÕES

"devem-se buscar efeitos de vibração luminosa, novos modos de difundir a iluminação em ondas, ou por camadas, ou como uma fuzilaria de flechas incendiárias."

Essa luz com o objetivo de produzir calor, frio, raiva, medo etc.

  • A ROUPA

"deve-se evitar o mais possível a roupa moderna."

  • A CENA - A SALA

Palco e sala substituídos por uma espécie de lugar único, sem divisões nem barreiras de qualquer tipo, e que se tornará o próprio teatro da ação."

  • OS OBJETOS - AS MÁSCARAS - OS ACESSÓRIOS

Bonecos, máscaras enormes, objetos de proporções singulares...

As coisas que geralmente exigem uma figuração objetiva serão camoteadas ou dissimuladas.

  • O CENÁRIO

"Não haverá cenário."

  • A ATUALIDADE

"muitos dirão, um teatro tão longe da vida, dos fatos, das preocupações atuais... Da atualidade e dos acontecimentos, sim! Das preocupações, no que têm de profundo e que é o apanágio de alguns, não!"

  • AS OBRAS

"Não representaremos peças escritas, mas em torno de temas, fatos ou obras comuns, tentaremos uma encenação direta."

  • O ESPETÁCULO

"O problema é fazer o espaço falar."

  • O ATOR

Ao mesmo tempo, um elemento de primeira importância e uma espécie de elemento passivo e neutro.

  • A INTERPRETAÇÃO

"não haverá movimentos perdidos, todos os movimentos obedecerão a um ritmo..."

  • O CINEMA

"não se pode comparar uma imagem de cinema que, por mais poética que seja, é limitada pela película, com uma imagem de teatro que obedece a todas as exigências da vida."

  • A CRUELDADE

"Sem um elemento de crueldade na base de todo espetáculo, o teatro não é possível."

  • O PÚBLICO

"Primeiro, é preciso que haja esse teatro."

  • O PROGRAMA

"Encenaremos sem levar o texto em consideração."

Cartas sobre a Crueldade

"Reivindico o direito de romper o sentido usual da linguagem, de romper de vez a armadura, arrebentar a golilha, voltar enfim às origens etimológicas da língua que, através dos conceitos abstratos, evocam sempre uma noção concreta."

"A crueldade é, antes de mais nada, lúcida, é uma espécie de direção rígida, submissão à necessidade."

"Uma peça em que não houvesse essa vontade, esse apetite de vida cego, capaz de passar por cima de tudo, visível em cada gesto e em cada ato e do lado transcendente da ação, seria uma peça inútil e fracassada."

"a criação e a própria vida só se definem por uma espécie de rigor, portanto de crueldade básica que leva as coisas ao seu fim inelutável, seja a que preço for."

Cartas sobre a Linguagem

"o teatro, arte independente e autônoma, para ressucitar ou simplesmente para viver, deve marcar bem o que o distingue do texto, da palavra pura, da literatura e de todos os outros meios escritos e fixos."

"esses gestos devem ser de uma eficácia bastante grande para levar ao esquecimento até a necessidade da linguagem falada."

"[não] se entregarão ao capricho da inspiração inculta e irrefletida do ator."

"[o gesto] parte da necessidade da palavra mais do que da palavra já formada. Mas, encontrando na palavra um beco sem saída, ele volta ao gesto de modo espontâneo."

"Quando digo que não encenarei peças escritas, quero dizer que não encenarei peças baseadas na escrita e na palavra, que haverá nos espetáculos que montarei uma parte física preponderante, que não poderia ser fixada e escrita na linguagem habitual das palavras, e que mesmo a parte falada e escrita o será num sentido novo."

"A composição, a criação, em vez de se fazer no cérebro de um autor, se farão na própria natureza, no espaço real..."

"Se esta época se desvia e se desinteressa do teatro é porque o teatro deixou de representá-la."

"[o verdadeiro objetivo do teatro é] traduzir a vida sob seu aspecto universal, imenso, e extrair dessa vida imagens em que gostaríamos de nos reencontrar."

"Só tem o direito de se dizer autor, isto é, criador, aquele a quem cabe o manejo direto da cena."

O Teatro da Crueldade
(segundo manifesto)

"O Teatro da Crueldade foi criado para devolver ao teatro a noção de uma vida apaixonada e convulsa."

"O Teatro da Crueldade escolherá assuntos e temas que respondam à agitação e à inquietude características de nossa época."

"[o Teatro da Crueldade] voltará a por em moda as grandes preocupações e as grandes paixões essenciais que o teatro moderno cobriu com o verniz do homem falsamente civilizado."

"é ao homem total e não ao homem social (...) que esse teatro se dirigirá."

"renunciaremos à supertição teatral do texto e à ditadura do escritor."

"o discurso articulado, as expressões verbais explícitas intervirão em todas as partes claras e nitidamente elucidadas da ação, nas partes em que a vida repousa e em que a consciência intervém."

"as palavras serão tomadas num sentido encantatório (...) por sua forma, suas emanações sensíveis e já não apenas por seu sentido."

Um Atletismo Afetivo

"O ator é como um atleta do coração."

"A respiração acompanha o sentimento e pode-se penetrar no sentimento pela respiração."

O Teatro de Séraphin

"Quando vivo não me sinto viver. Mas quando represento sinto-me existir."

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

teatro e vanguarda - O TEATRO DE GUERRILHA



(trechos)


"Teatro-movimento: Com este vocábulo quisemos designar as experiências que não se efetuam no quadro de instituições teatrais fixas - um lugar determinado para representação, uma companhia etc. - mas fora delas, apoiando-se em grupos políticos, movimentos de juventude, ou representando para eles. Teatro de agitação política, reivindicativo: têm-se revelado várias orientações cujo ponto comum é a elaboração de uma verdadeira pedagogia teatral (que age simultaneamente sobre o público e sobre os atores) e sobretudo o fato de darem um sentido novo ao amadorismo, uma função particular à arte."

"A arte é quase sempre inofensiva e benéfica:
não pretende ser mais que uma ilusão.
À exceção de determinado número de indi-
víduos, que estão, digamos, obcecados pela
arte, esta não ousa nunca entrar no domínio
da realidade." (Freud)

"O guerrilheiro precisa da ajuda total da
população... Desde o início da luta, tem em
vista a destruição de uma ordem injusta e,
por conseguinte, a intenção mais ou menos
clara de substituir o novo pelo velho." (Che Guevara)

"Esta sociedade em que vivemos -a sociedade dos Estados Unidos - que monotonia!!! Desviados por valores superficiais que são desprovidos de sentido humano, damos o poder às máquinas."

"O teatro contribuiu também para os alienar apresentando-nos um ator no qual tudo, do trajo à massa cinzenta, era limitado. O ator era apenas um número entre outros, um tipo de 'personagem' pronto a receber ordens."

"Enquanto, cheios de espírito de amadorismo, nos metemos em problemas de arte e de cultura, a televisão anestesia os espíritos."

"Nos Estados Unidos, os motivos, as aspirações e a prática do teatro devem ser readaptados de maneira a que este teatro:
- ensine qualquer coisa.
- indique o sentido a dar a transformação.
- seja um exemplo dessa transformação."

"A companhia de guerrilha deve, como grupo, explicar, exemplificando, aquilo em que consiste a mudança."

"As tentativas feitas a partir de 1930 até aos nossos dias com vista a criar um teatro orientado socialmente, foram ineficazes."

"O teatro de guerrilha viaja com pouca bagagem e trava-se de amizade com as multidões."

"O problema é criar público para um tipo de teatro, habituá-lo a frequentá-lo e a descobrir as formas que transformam um protesto numa contestação social 'eficaz'."

"No nosso caso, a consagração consiste em continuar, repito, em continuar a apresentar peças morais e em afrontar a hipocrisia reinante na sociedade."

"Nota: Falo dos Estados Unidos e do meio teatral dos Estados Unidos. Não tenho pretensão de enunciar juízos estético universais."

"O bom teatro só adquire esse significado na medida em que consegue criar públicos novos, mas uma vez na via do teatro de esquerda, não se pode parar. É preciso ir até ao fim, se não quisermos ser esmagados pelas forças contrárias cujos meios e poder são enormes."


R. G. DAVIS

(Extraído de Partisans n. 36,

Fevereiro-Março 1967).

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

teatro e vanguarda - VANGUARDA EM SUSPENSO




(trechos)



"A vanguarda é antes de mais uma rotura com o grosso da coluna, com a maioria; é também uma recusa da disciplina e do comportamento comuns."

"A recusa ao teatro estabelecido é incodicional. A vanguarda ataca o postulado fundamental do teatro burguês: existência de tipos, personagens humanos cujo choque ou atração recíproca constituem o drama; estruturas dramáticas: a anquilose dos indivíduos e das conciências; por fim, o funcionamento, aquela cumplicidadezinha dúbia no seio da qual platéia e palco se aproximam, se reúnem, para se compreenderem por meias palavras; para se refletirem mutuamente..."

"a vanguarda nega a totalidade do teatro tradicional. Como dizia Artaud: 'O teatro deve igualar-se à vida, não à vida individual, esse aspecto da vida em que os personagens triunfam, mas a uma vida liberta, que varre dela a individualidade humana e onde o homem é apenas um reflexo'."

"O teatro burguês, o nosso teatro, está esclerozado."

"Porque nestas coisas, quem vence é sempre o público. Não um público ideal, produto imaginários dos cidadãos gregos, dos senhores isabelinos, dos 'gens de robe' franceses e da multidão revolucionária."

"A grande falha do Teatro e seu duplo está aliás no fato de pensar um teatro sem pensar um público."

"Como escreveu Ionesco: 'Na origem de todas as minhas peças há dois estados de consciência fundamentais: ora predomina um, ora outro, ora se fundam os dois. Estas duas tomadas de consciência originais são a da evanescência, ou a do peso material; do vazio e da presença excessiva; da transparência irreal do mundo e da sua opacidade; da luz e das trevas profundas.' E da oscilação entre a liberdade radiosa do nada e a tirania material, elementar do mundo, diz: ...'Subitamente, a angústia transforma-se em liberdade; nada tem importância para além do encantamento de ser, da nova, espantosa consciência da nossa existência numa luminosidade semelhante à da aurora, na liberdade reencontrada; surpreendemo-nos de estar neste mundo que nos surge como ilusório, fictício, e o comportamento humano revela todo o seu ridículo, a História, a sua absoluta inutilidade; a realidade, a linguagem parecem desarticular-se, desintegrar-se, esvaziar-se de tal forma que sentindo as coisas tão desprovidas de importância, só podemos rir. Uma vez, durante um desses instântes, senti-me de tal maneira livre, ou liberto, que tinha a sensação de poder fazer o que quisesse com as palavras, com os personagens de um mundo que apenas me surgia como uma aparência irrisória, sem fundamento.
Evidentemente, este estado de consciência é muito raro, esta felicidade, este encantamento de estar num universo que não entra em conflito comigo, que já não é, que materialmente já não se mantém; a maior parte das vezes sou dominado pelo sentimento oposto: a leveza transforma-se em peso; a transparência em opacidade; o mundo pesa; o universo esmaga-me. Uma cortina, um muro intransponível opõe-se entre mim e mim próprio, a matéria enche tudo, preenche todos os lugares, aniquila o sob seu peso a liberdade, o horizonte estreita-se, o mundo transforma-se num cárcere enorme e asfixiante. O discurso fratura-se, mas agora de outro modo: as palavras caem como pedras, como cadáveres; sinto-me invadido pelas forças pesadas, contra as quais mantenho um combate do qual não posso sair vitorioso'." (Ionesco)

"existe de fato um trabalho de vanguarda comprometida no interior do próprio teatro burguês, trabalho esse que deve ser tomado em consideração, àquem de qualquer afirmação metafísica."

"É nisto, nesta função terapêutica que consiste a verdadeira função da vanguarda. Criando em cena o 'vácuo' ou revelando o seu 'pleno', separa da cena o espectador. Corta a unidade orgânica da cena e da sala, a qual fundia a certeza de uma base de valores comuns."


BERNARD DORT

(Extraído de Théatre Populaire, n. 18)

teatro e vanguarda - HISTÓRIA E METAFÍSICA EM GROTOWSKI E NO LIVING THEATER


(trechos)

"Não se deve confundir os que trabalham com os que correm atrás do último produto lançado no mercado."

"o trabalho de Grotowski ensina-nos teatro."

"O valor de Grotowski está em ter encontrado uma nova escrita cênica com uma coerência interna própria."

"Falemos claro: os atores formados por Grotowski são extraordinariamente bons na expressão do discurso de Grotowski; mas se trabalhassem para o teatro tradicional seriam provavelmente muito fracos, salvo raríssimas exceções."

"Grotowski coloca o ator no centro do teatro; o ator é o eixo da representação."

"Grotowski critica os homens de teatro por não compreenderem que a especificidade do teatro não é o texto; o texto pertence à literatura."

"Podemos pois criticar Grotowski por não compreender a especificidade do texto dramático e por não ver que desde os gregos o trabalho dos dramaturgos foi precisamente a procura de uma escrita que se afastasse da epopéia, da poesia (como da dança e da pantomima), etc. De fato, dentro da literatura em geral, a literatura gramática tem um campo específico."

"os marxistas, que criticam Grotowski por exprimir continuamente (sem palavras, mas de maneira forte e evidente) duas idéias reacionárias: 'cada homem que sofre é Cristo' e 'As vítimas de hoje são os carrascos de amanhã'."

"o teatro reduzido a relações físicas imediatas acaba por manifestar determinadas idéias filosóficas implícitas que já de si são bastante antigas, ao contrário do que se pensa por aí."

ROGER PLANCHON

(Extraído da revista Primer Acto, n. 95).

teatro e vanguarda - PARA UM TEATRO POBRE

Jerzy Grotowski


(trechos)
"Queremos antes de mais, libertarmo-nos do ecletismo. Não acreditamos que o teatro seja uma amálgama de diversas disciplinas artísticas."
"naquilo que consideramos a essência do teatro enquanto arte - isto é, na relação entre o ator e o espectador, e entre a técnica espiritual do ator e a composição das diferentes partes da interpretação."
"Foi Stanislavski o primeiro a levantar problemas importantes relativamente ao método."
"não tentar ensinar ao ator uma receita qualquer e nem sequer o ajudarmos a construir um 'arsenal de meios'."
"Tudo se centra e se concentra em torno do domínio interior do ator."
"o ator ao interpretar deve fazer uma entrega total de si mesmo."
"O nosso trabalho cotidiano não consiste em elaborar uma técnica espiritual, mas, pelo menos de início, em compor um papel construir formas, interpretações, sinais: em suma, treinam-se para conhecer aquilo a que voluntariamente chamam 'artificialidade'."
"pensamos que um processo psíquico que não esteja baseado na disciplina, na articulação do papel e numa estruturação adequada, não se traduz numa libertação, mas deve ser compreendido como uma forma pura e simples de caos biológico."
"Levado pelo entusiasmo, (o homem) começa a fazer gestos, a dançar, a cantar e a articular ritmicamente; é o signo, e não o gesto habitual, que para nós constitui a exceção elementar."
"nem sempre estou em condições de dominar intelectualmente as minhas próprias realizações."
"a auto-análise dos meus espetáculos revelou-me que eles não são o resultado de uma teoria solidamente construída, mas que a minha consciência artística acompanha as minhas realizações, explicitando-as uma vez consumadas."
"o teatro, privado de todos esses truques e acessórios, não deixa por isso de existir. Deixa de existir apenas quando se corta a comunicação entre o ator e o espectador, quando desapareceu o diálogo direto, palpável e vivo."
"Encarar o teatro como uma síntese das artes leva-me a confirmar que atualmente reina na cena algo a que com muito gosto chamaria 'riqueza'; no entanto esta é a confirmação das suas fraquezas."
"O que é o teatro 'rico'? Um teatro parasita, uma realização de cleptomania artística."
"O teatro 'rico', acumulando umas sobre as outras formas que não lhe pertencem, procura sair do beco sem saída em que o cinema e a televisão o meteram."
"Seja qual for a via que os encenadores sigam para aperfeiçoamento destas possibilidades técnicas, o teatro estará sempre em desvantagem em relação ao cinema e à televisão. É por isso que propomos um teatro 'pobre'."
"Renunciamos aos trajos, aos narizes postiços, às barrigas falsas, isto é, a tudo aquilo que o ator prepara antes de entrar em cena. E constatamos que o que é teatral, mágico, fascinante, é a capacidade que o ator tem para se transformar em tipos e caracteres diferentes, e tudo isto 'pobremente', quer dizer, apenas pelo seu trabalho."
"Aprendemos que o espetáculo só se transforma em verdadeiro espetáculo musical desde que se suprima do teatro qualquer espécie de música mecânica ou interpretada por uma orquestra independentemente dos atores."
"o próprio texto não pertence ao campo do teatro e é introduzido em cenas apenas graças ao ator, em virtude das entoações, associações de sons, em suma, em virtude da musicalidade da linguagem."
"O teatro deve violar os esteriótipos da nossa visão do mundo, os sentimentos convencionais, os esquemas de pensamento; deve violar brutalmente esses esteriótipos enquanto estiverem inculcados no organismo humano (no corpo, na respiração, nas reações interiores); deve portanto violar determinados tabus."
"Não se trata já de formar um ator mas sim de sair de si próprio para realizar a verdadeira descoberta dos outros. O trabalho do ator pode assemelhar-se a um segundo nascimento."
JERZY GROTOWSKI
(Extraído da revista Primer Acto, n. 95).

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

teatro e vanguarda - LIVING?

Living Theatre


(trechos)


Extratos de uma entrevista de Julian Beck
P.27: pensamos que seria melhor
desenvolver o poder de decisão do
espectador não pela via do raciona-
lismo e da distância, mas sim pela
da histeria, do fanatismo e do terror.
P.25: aquilo que vemos com a
droga-droga é talvez mais real do
que aquilo que somos levados a com-
preender pela droga da educação,
da política, da língua, das palavras.
Estas coisas são igualmente drogas.
Desde a infância que somos droga-
dos com todas as idéias de civiliza-
ção. Precisamos de eliminar essa
droga...
(Revista 'Le Point', Bruxelas, n. 8,
Fevereiro de 1967: O caminho da
histeria, por Jean-Pierre Berck-
mans, pp. 24-29.)


"A estética do Living baseia-se num princípio simples: tudo o que é palavra pertence à literatura; só a linguagem gestual é especificamente teatral."

"'A infelicidade só por si é um mau pedagogo... Os seus discípulos aprendem a ter fome e sede, mas raramente a ter fome de verdade e sede de conhecimento. Os sofrimentos não fazem ainda do doente um médico.', dizia Brecht."


A função da palavra

"A palavra não é totalmente banida; é, pelo contrário, utilizada com diversas finalidades."


Ação ou reação?

"no Ocidente o sinal gestual não foi desenvolvido; permite apenas um tipo de comunicação rudimentar, sendo apenas legíveis relações como o anmor e o ódio, o coito e a agressão. Não se sai da relação carrasco-vítima. Um teatro baseado em meios de comunicação pobres, baseado no antropomorfismo, dificilmente poderá dar conta da complexidade das relações sociais."

"para Brecht, o conflito econômico, político, ideológico, que é mostrado em cena deve repercutir-se na platéia; deve dividir o público, fazer rebentar as suas contradições. O Living, pelo contrário, na cena como na platéia limita-se a desencadear conflitos físicos."


M. SYS

(Extraído da 'Nouvelle Critique', n. 11, Fevereiro 1968).

teatro e vanguarda - DE BRECHT AO LIVING

Bertolt Brecht


(trechos)


"O Modelo era a montagem resultante da aplicação da teoria ao texto concreto de cada obra. A anarquia total parecia salva."

" O 'Modelo' tinha também os seus incovenientes: proporcionava, por exemplo, que houvesse quem se lhe adaptasse e se limitasse a uma imitação superficial. Permitia também, pelo contrário, que houvesse quem, ao interpretar dialeticamente os princípios gerais de Brecht, quer dizer, ao executá-los em determinada situação e em função de determinados meios, concluísse da necessidade de variar o 'Modelo' da representação."

"o trabalho do Living excede em muito os limites previstos por Brecht. Beck e Malina - diretores da companhia Living Théâtre - não se limitaram a repensar o texto e o modelo brechtianos, mas integram-nos num discurso artaudiano muito deles, lançando assim uma ponte entre o 'teatro épico' e o 'teatro da crueldade' completamente original e longe de qualquer interpretação ortodoxa de Brecht."

"A pesquisa é apenas uma parte da função renovadora ou revolucionária que Brecht atribui ao teatro."

"O esquema de Brecht, diz-nos o Living, é válido; porém, o homem não é apenas uma entidade ligada a uma estrutura e a uma alternativa moral, mas também dor, sexo, recordação, violência."

"integrar todas as aquisições anteriores no próprio discurso, na própria experiência, de acordo com a necessidade do momento."

JOSÉ MALEÓN

(Este artigo foi extraído da revista
Primer Acto, n. 91)

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

teatro e vanguarda - SERÁ A UTILIZAÇÃO DE UM MODELO UM ENTRAVE À LIBERDADE DO ARTISTA?

Bertolt Brecht


(trechos)


(Extraído de Theaterarbeit, obra colec-
tiva redigida pelos técnicos do Ber-
liner Ensemble)


"O nosso teatro pode de fato representar tudo - de Édipo a Biberpelz. E isto não é devido à existência de um determinado estilo que lhe seria próprio e que sintetizaria nele os contributos de múltiplas culturas, mas pelo contrário, à ausência total de um estilo pessoal." (Brecht)

"o melhor, na prática, é copiar e procurar sistematicamente descobrir as razões dos agrupamentos de cena, dos movimentos e dos gestos indicados. Quanto a mim, é preciso ter-se feito uma cópia para se poder fazer, por si, um modelo." (Brecht)

"Os nossos livros, os nossos quadros, os nossos teatros, os nossos filmes e a nossa música podem e devem dar uma contribuição determinante à solução dos problemas vitais da nossa nação." (Brecht)

"Os artistas 'criadores livres', não são no teatro assim tão livres como se pensa. (...) Em primeiro lugar encontram-se num estado de dependência, perfeitamente indigna, relativamente ao 'seu' público." (Brecht)

"É preciso libertarmo-nos do desprezo que temos normalmente pela arte de copiar. Copiar não é assim tão fácil; não é uma atividade desprezível, mas sim uma verdadeira arte. Quero dizer que é necessário ser-se artista para evitar precisamente que a cópia assuma esse caráter rígido e esteriotipado." (Brecht)

"o que oferecemos no teatro são cópias de comportamentos humanos. É esse o significado dos agrupamentos de cena e do modo como atuam. É por isso que o teatro que se representa hoje não é realista, porque menospreza a observação. Os atores olham para si próprios, em vez de olharem para o que os cerca." (Brecht)

"Não confundamos o inimitável com o exemplar." (Brecht)

(Extraído de 'Théâtre Populaire' n. 11,
Janeiro - Fevereiro de 1955)

teatro e vanguarda - BRECHT E ARTAUD

Antonin Artaud





(trechos)




"Cada ideologia é para os marxistas como que o indicador dos domínios em que a necessidade de um trabalho teórico se faz sentir."


"nomes como os de Brecht e Artaud, para além das críticas e falsificações a que estão sujeitos, não deixam de nos pôr problemas decisivos - num centro de um debate acerca do teatro e para além dele."


"cabe perguntar se o diálogo forçado que se estabeleceu entre eles tem de fato razão de ser; antes de mais é preciso aprender a lê-los e tal como estão escritos; como textos de função teórica ou crítica."


"como diz Althusser: 'Podemos avançar a afirmação segundo a qual (...) a obra de arte não pode deixar de exercer um efeito diretamente ideológico, de que ela mantém com a ideologia relações muito mais estreitas do que qualquer outro objeto, e que não é possível pensar a obra de arte, na sua existência especificamente estética, sem ter em conta esta relação privilegiada com a ideologia, quer dizer, sem tomar em conta o seu efeito ideológico direto e inevitável."


Gramática de Brecht

"nunca um teatro afirmou com tanta clareza as suas ligações com a luta de classes, com as práticas políticas, com a teoria marxista, nunca um teatro aspirou a um papel tão preciso no interior do processo revolucionário em curso."

"Não podemos satisfazer-nos, diz Brecht, com um teatro que se resuma a dar-nos sensações, idéias ou impulsos limitados pelo domínio das relações humanas em que se desenrola a ação das suas peças; necessitamos de um teatro que adote e provoque sentimentos capazes de intervir na transformação do domínio destas relações."

"Não precisamos nos referir mais à importância política do teatro de Brecht; devemos mesmo empenhar-nos em defendê-la, em protegê-la contra as reduções e recurepações 'estéticas' a que geralmente é exposta nos nossos palcos: só assim a sua atividade poderá ser efetiva."

"O 'efeito de distanciação' de que tanto ouvimos falar: um conjunto de meios formais, um dispositivo ativo e organizado - destinado a produzir um 'efeito ideológico' determinado."

"é a descontinuidade significante que permite que o julgamento do público, a sua 'lucidez', penetrem no espetáculo e se tornem nele um elemento ativo e necessário."

"O texto é portanto concebido como um elemento, e pode perfeitamente, sem que isso se possa considerar sacrilégio ou traição, ser transformado e modificado pela representação, se o que tiver significado for precisamente esse conjunto de modificações."

"Segundo Brecht, é necessário romper definitivamente, não apenas com o 'conceito de ator, estrela da peça', mas também com uma psicologia plena e linear, 'coerente', de acordo com a pseudocoerência do pensamento mecanicista e idealista que o espectador poderia adotar durante o espetáculo. Pelo contrário, a 'personagem' deverá ser apresentada como contraditória, deve moldar a sua própria representação através de 'arranques' e roturas do espetáculo e do texto."

[Brecht] "propõe um teatro que mostre o seu próprio processo de produção."


Artaud ou a rotura

"face à coerência marxista que nós encontramos imediatamente, e quase 'naturalmente', no discurso de Brecht, o texto de Artaud pode sur-nos como confuso, muito claramente marcado, até, por uma certa forma, de metafísica."

"Não se trata de fazer de Artaud um marxista-sem-querer, mas de afirmar que o discurso de Artaud, pelo seu objeto, pelos problemas que levanta, pela fuga à ideologia dominante que nele se realiza, interessa à nossa pesquisa teórica e abre-lhe domínios que ela deve explorar."

"Insistimos no fato, diz Artaud, de que o primeiro espetáculo do Teatro da Crueldade se debruçará sobre os problemas da massa, muito mais prementes e muito mais inquietantes do que os de qualquer indivíduo".

"Encontramo-nos pois perante um discurso ambíguo e contraditório; o nosso trabalho deverá consistir em revelar o lado materialista do discurso de Artaud: trata-se portanto de uma operação 'estratégica' destinada a arruinar as recuperações místicas do teatro de Artaud e que, por outro lado, nos remete para um trabalho fundamental sobre o significado desta rotura: o trabalho de Jacques Derrida."

"'A metafísica de Artaud, escreve Derrida, nos seus momentos mais críticos, realiza a metafísica ocidental, a sua finalidade mais profunda e mais permanente. Mas noutro extrato do mais difícil do dos seus textos, Artaud afirma a lei cruel (isto é, necessária, de acordo com o que ele entende pela palavra cruel), lei agora assumida e vivida, mas já não na ingenuidade metafísica'. É assim que podemos encontrar em Artaud, simultaneamente, uma metafísica da respiração, da palavra plena, da unidade perdida - e a subversãodesta metafísica, que se inscreve na cena em termos de crueldade, ou seja, para Artaud sob a forma de 'rigor', de necessidade."

A cena e o corpo

"Porque o teatro, segundo Artaud, não é de forma alguma, essa 'festa' anárquica e 'psicológica' que tentam realizar os que abusam do seu nome, (...) - é pelo contrário rigor, desintegração organizada da ordem 'cultural' e nova gramática formal a instaurar."

"Não cremos que a vida seja representável em si mesma ou que valha a pena correr o risco de representá-la." (Artaud)

"Romper com a expressão, com 'a ilusão daquilo que não é', é deixar de fazer do teatro um 'reflexo' - é situá-lo, já não em frente do mundo, numa posição secundária ou numa repetição, mas do lado do mundo, agindo nele e ligado a ele por toda a espécie de laços ativos."

"A encenação torna-se um trabalho essencial em que está em jogo a substituição da poesia da linguagem por uma poesia no espaço que se realizará precisamente naquilo que não pertence exatamente ao domínio das palavras."

"a arte do teatro não é mais que a ciência do código formal teatral, a descoberta e a aplicação das leis precisas que regem os corpos e os movimentos."
"não se trata de abolir a 'palavra' do teatro, mas sim de lhe mudar radicalmente a função."

"Não se trata de suprimir a palavra articulada, mas sim de dar aproximadamente às palavras a importância que elas têm nos sonhos."

"com o desaparecimento da concepção de uma 'mensagem' a transmitir, desaparece também a noção de público que se limitaria a recebê-la. Para Artaud, o 'público' deve estar no interior do espetáculo, no 'centro', metido no jogo como um elemento desse jogo, de forma a que, no limite, palco e a platéia deixem de existir."

"Os espetáculos não são entregues ao capricho da inspiração inculta e irrefletida do ator."

"Artaud não pretende 'aderir' à espiritualidade oriental, mas sim extrair desse 'misticismo' leis precisas e portanto 'científicas'."

"contrariamente a Brecht para quem 'tudo o que respeita aos sentimentos deve ser exteriorizado - deve tornar-se gesto', para Artaud 'toda a emoção tem bases orgânicas; é através do cultivo da emoção no próprio corpo que o ator lhe aumenta a densidade voltaica': podemos perguntar-nos se, pelo menos a este nível concreto, o 'materialismo' não terá de fato mudado de campo."

"o teatro, segundo Artaud, deve consistir na subversão desta 'cultura' construída sobre a palavra."

"ao ator já não compete 'representar' um papel previamente estabelecido, mas sim transformar-se nesse hieróglifo, nessa linguagem não expressiva e ativa."

"E nessa subversão da escrita teatral, estamos sem dúvida mais próximos do marxismo do que poderíamos supor."

"O pensamento de Marx escapa ao pressuposto ocidental que consiste em reduzir toda a práxis (gestualidade) a uma representação (visão, audição)."

"'Encontramos assim, num momento crucial do pensamento ocidental que se afirma contestando-se, uma tentativa de fuga da significação (do sujeito, da representação, do discurso, do sentido) para lhe substituir o seu contrário: a produção como gesto'. A escrita, gestual ou plástica, pela qual se define o teatro de Artaud, insere-se portanto nesse gesto fundamental do marxismo, que permite pensá-la, e que por outro lado ela inscreve, tornando-se, em sentido pleno, uma prática."

Para um teatro materialista

"Teatro materialista: teatro que manifesta um avanço em relação à teoria que o acompanha, e que obriga a teoria a pensar esse avanço."

"E é aqui que se define, em profundidade, o problema das relações do teatro e da ideologia. Para evitar cairmos no esquecimento (como o que funda a teoria do 'teatro comprometido'), podemos operar a distinção de Thomas Hebert entre ideologias do tipo A (produtos derivados da prática técnica empírica, tendentes a fazer passar-se por ciência) e ideologias do tipo B (condições de uma prática política, desempenhando o papel de cimento na estrutura de uma formação social). Podemos ver então que a 'falha' do discurdo brechtiano é ter crido poder conduzir a luta ideológica ao nível B sem ter liquidade completamente a ideologia de tipo A, aquela que suscita 'espontaneamente' a prática estética. Mas um perigo de uma leitura demasiado fiel do discurso de Artaud poderá ser o de abandonar o nível B, contentando-se com um formalismo que desempenharia certamente um papel determinante no nível A, sem por outro lado pensar nas posssibilidades de articulações políticas de um tal teatro. Trata-se portanto de constituir uma prática que saiba lutar simultaneamente nos dois planos, pensando rigorosamente a posição dos seus elementos mais importantes e das suas determinações. Aqui, mais uma vez, o trabalho teórico, e só ele, poderá impedir que o teatro seja 'recuperado' por um outro tipo de ideologia."

GUY SCARPETTA

(Extraído da revista Nowvelle Critique, n. 25, Junho de 1969.)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

teatro e vanguarda - PISCATOR FALA-NOS DE TEATRO

Erwin Piscator


(trechos)


(Entrevista concedida por ocasião da
apresentação em Paris da sua mon-
tagem de Guerra e Paz, de Tolstoi).




"-Creio que a renovação do teatro depende tanto da cena como do público."

"Não podemos considerar a arte apenas como uma distração, é também um laborarótio do comportamento do homem e da sua educação moral (aliás Diderot e Schiller pensaram-no antes de mim). É preciso considerá-lo em função da construção da sociedade, e da sua transformação numa verdadeira sociedade humana.
O teatro político na sua necessidade histórica, nasceu desta concepção.
Quanto a mim, não faço encenações apenas para mostrar a minha arte, mas para fazer compreender aos espectadores (por conseguinte, ao povo) que a sua vida privada e as suas ações individuais são determinadas pelo mundo que os cerca."

"Queríamos fazer sentir aos espectadores que estavam no teatro, que não tinham vindo ali para viver uma vida imaginária, mas uma vida mais ampla, fragmento da vida real, fragmento multiforme, feito de inúmeros acontecimentos que dizem respeito a todos os homens."

"A história da criação do mundo é a história das revoluções e das guerras passadas. Foi por essa razão que pretendi fazer um teatro épico que fizesse compreender isto aos espectadores, o que, sob a ameaça hitleriana, era particularmente importante."

"O destino total do homem não é um destino religioso, nem um destino astrológico, é um destino histórico e podemos corrigí-lo, podemos tomá-lo em mãos. Destino grego sim, mas transposto para Marx, reinscrito na realidade social e política. O problema que se põe ao homem de teatro, é o de revelar ao espectador a sua própria história, a história da sociedade, a história política. E quando digo política estou a pensar na palavra grega polis, isto é, 'coletividade dos cidadãos'. Trata-se em resumo, de evidenciar a ligação entre o macrocosmo (mundo histórico total) e o microcosmo (personagem individual)."

"penso que precisamos de dar à cena as maiores dimensões e a maior multiplicidade possível: tapete rolante, palco giratório, imagens cinematográficas utilizadas como um coro de tragédia antiga... E sobretudo precisamos de utilizar a luz. A luz cria o espaço cênico."

"eu acho que os atores devem ter uma relação direta com o espectador; é isso que evita neles a angústia do buraco negro da sala."

"ideologicamente, Brecht é meu irmão, mas a nossa apreensão da totalidade é diferente. Brecht revela pormenores significativos da vida social, eu tento de preferência mostrar a conjuntura política na sua totalidade."

"Os homens não são bons nem maus. É a melhoria das condições de vida no socialismo que enriquecerá moralmente o homem."

"Penso que a música no teatro deve ser funcional."

"Os atores e os espectadores devem estar unidos numa serenidade que lhes permita participar no mesmo movimento de pensamento, movimento esse que não tem princípio nem fim e que é precisamente o da explicação épica do mundo."

(Extraído de Théatre Populaire, n. 19, 1 de Julho de 1956).

teatro e vanguarda - O TEATRO ÉPICO DE BRECHT COMO CRÍTICA DA VIDA COTIDIANA

Bertolt Brecht



(trechos)



"para Brecht, o teatro épico era fundamentalmente uma ação teatral (e uma poesia) expressamente e voluntariamente aproximada da vida cotidiana."


"O teatro deve aprender na escola da rua."


"O familiar, a familiaridade envolvem os seres humanos e, colocando sobre eles a máscara do conhecido, furtam-nos ao conhecimento."


"Os nossos familiares e nós próprios são aquilo que conhecemos. Desempenham o papel que eu lhes atribuo, e que eles se atribuem."


"sem familiaridade, como seria possível introduzir na vida o elemento de cultura ou o elemento ético suscetível de moldar e humanizar o emocional ou o passional?"


"O papel não é um papel. É a própria vida social à qual é inerente."


"O criado de café não faz de criado de café. É-o e, ao mesmo tempo, não o é. Não vende o seu tempo (de trabalho e de vida) pelo desempenho do papel de criado de café. Quando diante dos clientes faz de criado de café (de 'virtuoso' capaz de transportar na palma da mão uma bandeja cheia como um ovo etc...) deixa precisamente de ser o criado de café; supera-se representando-se. É extremamente provável, por outro lado, que o operário não possa assumir o papel de operário, nem superar-se representando-se. Ele é inteiramente 'aquilo' e, simultaneamente, é inteiramente outro, e outras coisas: chefe de família, indivíduo sedento de gozar a vida, ou militante revolucionário. Nele e por ele, contradições e alienações elevam-se ao máximo: ao pior e ao melhor. Com as formas de troca e a divisão do trabalho reinantes na nossa sociedade, não há relações sociais - relações com os outros - que não encerrem uma certa alienação. E cada indivíduo só existe socialmente pela e na sua alienação, como não existe para si próprio senão na e pela sua privação (a sua consciência privada)."


"Uma impressão intensa, rara ou frequente na vida conforme as pessoas, e que muitas vezes nos aparece na literatura romanesca, traduz-se mais ou menos assim: 'Apercebeu-se de repente que a mulher, com quem havia mais de dez anos partilhava o leito, era para ele uma estranha... Estupefata, Germaine olhou para Roger; era como se o tivesse visto pela primeira vez...'

É preciso que no teatro o espectador sinta esta surpresa com certa durabilidade."


"as pessoas com quem vivemos no século XX não têm nada a ver com os personagens clássicos, precisamente porque desempenham na vida um papel."


"No teatro clássico, graças a uma contradição magnificamente bem resolvida, os personagens não são personagens. São inteiramente sinceros, autenticamente sinceros, mesmo na simulação."


"No entanto, à nossa volta, na vida real, os personagens são verdadeiros personagens; um teatro que se proponha representá-los (isto é, apresentar claramente e a uma certa distância o que na vida é obscuro) deve superar o conceito clássico de personagem."


"a consciência do 'familiar' se transforma em consciência do 'estranho'."


"O pirandellismo exprimiu teatralmente a relatividade dos personagens e dos julgamentos - a relatividade absoluta - importante descoberta dos 'tempos modernos' na sociedade burguesa."


"há algo na vida que vai além do pirandellimos, que lhe escapa: o ato, o acontecimento, a decisão, o desenlace e a necessidade de um desenlace."


"Brecht compreendeu profundamente. Nunca soubemos bem de onde surgem os atos, as decisões, os acontecimentos. Mas, os resultados surgem; brutalmente, eles são."


"À incerteza não falta nem encanto, nem interesse; mas ela não pode durar muito."


"...pode até oscilar entre o cômico e o dramático, mas é preciso escolher."


"a ambiguidade é uma categoria da vida cotidiana e talvez uma categoria essencial."


"o ato, o acontecimento, o resultado, surgem bruscamente da ambiguidade das consciências e das situações."


"A prática, quer dizer, a exigência do ato e da decisão, impõe uma escolha. Mas escolher é julgar. Não conhecemos os atos humanos que nos envolvem; escampam-nos e nós escapamos-lhes. Porém, é preciso julgar."


"A cotidianeidade possui estes múltiplos aspectos: flutuações sob máscaras estáveis e aparências de estabilidade, exigência do julgamento e da decisão."


"Para ver bem as pessoas precisamos de nos pôr a certa distância delas; como em relação aos objetos que observamos. Então a sua múltipla estranheza é-nos revelada: não só a nós, mas também nelas e em relação a elas próprias. Esta estranheza contém a sua verdade, a verdade da sua alienação. Nesse momento, a consciência da alienação - a consciência estranha da estranheza - liberta-nos ou começa a libertar-nos da alienação."


"O olhar estranho é o olhar verdadeiro. E este olhar estranho e desconhecido, este olhar desenraizado e que vê claro, é o olhar dos ingênuos, das crianças, dos camponeses, das mulheres do povo, das pessoas simples. Ao olhar, elas têm medo. É que esta múltipla alienação não tem nada de brincadeira. Vivemos num mundo em que o melhor se transforma no pior; onde não há nada de mais perigoso que o herói e o grande homem; onde cada coisa - e também a liberdade que, no entanto, não é uma coisa - e também a revolta, se transforma no seu contrário."


"O seu 'efeito de distanciação' [de Brecht] torna-se célebre, mas alguns técnicos da encenação tendem a transformá-lo num processo teatral."


"...a contradição interna do familiar que contém simultaneamente o banal e o extraordinário."


"O teatro épico de Brecht recusa a transparência clássica."


"o espectador torna-se consciência viva das contradições do real."


"Por outro lado, será exato dizer que este teatro exclui a emoção? Exclui a emoção de caráter mágico, a que permite ou supõe a participação e a identificação. O teatro de Brecht visa talvez provocar novas formas de emoção e imagens libertas precisamente do que pode ainda haver de mágico na imaginação."


"Brecht esclarece as contradições da vida cotidiana para nos separar dela."


"na vida prática como na ideologia, esta magia traduz apenas as ilusões dos homens sobre eles próprios e as suas impotências."


"O espectador mede os prós e os contras; espera que o espetáculo lhe traga argumentos, mas isto é feito de forma a retardar o juízo crítico, a suscitá-lo sem o impor."


"O teatro épico de Brecht não purifica a cotidianeidade; no entanto, elucida as suas contradições."


"Objeções não faltam. [...]

o seu teatro que se pretendia sensível, direto, portanto popular, parece comportar uma parte excessiva de intelectualidade;

em país algum - nem mesmo na Alemanha - conseguiu tornar-se um teatro verdadeiramente popular;

infelizmente, esta 'distanciação' no espectador arrisca-se a assumir uma forma inquietante, pior que a identificação clássica: a fascinação."


"DANTON - É o tempo que nos perde. É terrivelmente aborrecido enfiarmos primeiro a camisa, depois as calças, e arrastamo-nos para a cama à noite, e de manhã arrastamo-nos para fora da cama, e andar sempre com um pé à frente do outro. Não há mais pequena esperança de que alguma vez isto mude." (A MORTE DE DANTON - Georg Buchner)



HENRI LEFEBVRE


(Extraído de la Critique de la Vie quotidienne, vol. I, ed. L'Arche.)