quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

teatro e vanguarda - O TEATRO ÉPICO DE BRECHT COMO CRÍTICA DA VIDA COTIDIANA

Bertolt Brecht



(trechos)



"para Brecht, o teatro épico era fundamentalmente uma ação teatral (e uma poesia) expressamente e voluntariamente aproximada da vida cotidiana."


"O teatro deve aprender na escola da rua."


"O familiar, a familiaridade envolvem os seres humanos e, colocando sobre eles a máscara do conhecido, furtam-nos ao conhecimento."


"Os nossos familiares e nós próprios são aquilo que conhecemos. Desempenham o papel que eu lhes atribuo, e que eles se atribuem."


"sem familiaridade, como seria possível introduzir na vida o elemento de cultura ou o elemento ético suscetível de moldar e humanizar o emocional ou o passional?"


"O papel não é um papel. É a própria vida social à qual é inerente."


"O criado de café não faz de criado de café. É-o e, ao mesmo tempo, não o é. Não vende o seu tempo (de trabalho e de vida) pelo desempenho do papel de criado de café. Quando diante dos clientes faz de criado de café (de 'virtuoso' capaz de transportar na palma da mão uma bandeja cheia como um ovo etc...) deixa precisamente de ser o criado de café; supera-se representando-se. É extremamente provável, por outro lado, que o operário não possa assumir o papel de operário, nem superar-se representando-se. Ele é inteiramente 'aquilo' e, simultaneamente, é inteiramente outro, e outras coisas: chefe de família, indivíduo sedento de gozar a vida, ou militante revolucionário. Nele e por ele, contradições e alienações elevam-se ao máximo: ao pior e ao melhor. Com as formas de troca e a divisão do trabalho reinantes na nossa sociedade, não há relações sociais - relações com os outros - que não encerrem uma certa alienação. E cada indivíduo só existe socialmente pela e na sua alienação, como não existe para si próprio senão na e pela sua privação (a sua consciência privada)."


"Uma impressão intensa, rara ou frequente na vida conforme as pessoas, e que muitas vezes nos aparece na literatura romanesca, traduz-se mais ou menos assim: 'Apercebeu-se de repente que a mulher, com quem havia mais de dez anos partilhava o leito, era para ele uma estranha... Estupefata, Germaine olhou para Roger; era como se o tivesse visto pela primeira vez...'

É preciso que no teatro o espectador sinta esta surpresa com certa durabilidade."


"as pessoas com quem vivemos no século XX não têm nada a ver com os personagens clássicos, precisamente porque desempenham na vida um papel."


"No teatro clássico, graças a uma contradição magnificamente bem resolvida, os personagens não são personagens. São inteiramente sinceros, autenticamente sinceros, mesmo na simulação."


"No entanto, à nossa volta, na vida real, os personagens são verdadeiros personagens; um teatro que se proponha representá-los (isto é, apresentar claramente e a uma certa distância o que na vida é obscuro) deve superar o conceito clássico de personagem."


"a consciência do 'familiar' se transforma em consciência do 'estranho'."


"O pirandellismo exprimiu teatralmente a relatividade dos personagens e dos julgamentos - a relatividade absoluta - importante descoberta dos 'tempos modernos' na sociedade burguesa."


"há algo na vida que vai além do pirandellimos, que lhe escapa: o ato, o acontecimento, a decisão, o desenlace e a necessidade de um desenlace."


"Brecht compreendeu profundamente. Nunca soubemos bem de onde surgem os atos, as decisões, os acontecimentos. Mas, os resultados surgem; brutalmente, eles são."


"À incerteza não falta nem encanto, nem interesse; mas ela não pode durar muito."


"...pode até oscilar entre o cômico e o dramático, mas é preciso escolher."


"a ambiguidade é uma categoria da vida cotidiana e talvez uma categoria essencial."


"o ato, o acontecimento, o resultado, surgem bruscamente da ambiguidade das consciências e das situações."


"A prática, quer dizer, a exigência do ato e da decisão, impõe uma escolha. Mas escolher é julgar. Não conhecemos os atos humanos que nos envolvem; escampam-nos e nós escapamos-lhes. Porém, é preciso julgar."


"A cotidianeidade possui estes múltiplos aspectos: flutuações sob máscaras estáveis e aparências de estabilidade, exigência do julgamento e da decisão."


"Para ver bem as pessoas precisamos de nos pôr a certa distância delas; como em relação aos objetos que observamos. Então a sua múltipla estranheza é-nos revelada: não só a nós, mas também nelas e em relação a elas próprias. Esta estranheza contém a sua verdade, a verdade da sua alienação. Nesse momento, a consciência da alienação - a consciência estranha da estranheza - liberta-nos ou começa a libertar-nos da alienação."


"O olhar estranho é o olhar verdadeiro. E este olhar estranho e desconhecido, este olhar desenraizado e que vê claro, é o olhar dos ingênuos, das crianças, dos camponeses, das mulheres do povo, das pessoas simples. Ao olhar, elas têm medo. É que esta múltipla alienação não tem nada de brincadeira. Vivemos num mundo em que o melhor se transforma no pior; onde não há nada de mais perigoso que o herói e o grande homem; onde cada coisa - e também a liberdade que, no entanto, não é uma coisa - e também a revolta, se transforma no seu contrário."


"O seu 'efeito de distanciação' [de Brecht] torna-se célebre, mas alguns técnicos da encenação tendem a transformá-lo num processo teatral."


"...a contradição interna do familiar que contém simultaneamente o banal e o extraordinário."


"O teatro épico de Brecht recusa a transparência clássica."


"o espectador torna-se consciência viva das contradições do real."


"Por outro lado, será exato dizer que este teatro exclui a emoção? Exclui a emoção de caráter mágico, a que permite ou supõe a participação e a identificação. O teatro de Brecht visa talvez provocar novas formas de emoção e imagens libertas precisamente do que pode ainda haver de mágico na imaginação."


"Brecht esclarece as contradições da vida cotidiana para nos separar dela."


"na vida prática como na ideologia, esta magia traduz apenas as ilusões dos homens sobre eles próprios e as suas impotências."


"O espectador mede os prós e os contras; espera que o espetáculo lhe traga argumentos, mas isto é feito de forma a retardar o juízo crítico, a suscitá-lo sem o impor."


"O teatro épico de Brecht não purifica a cotidianeidade; no entanto, elucida as suas contradições."


"Objeções não faltam. [...]

o seu teatro que se pretendia sensível, direto, portanto popular, parece comportar uma parte excessiva de intelectualidade;

em país algum - nem mesmo na Alemanha - conseguiu tornar-se um teatro verdadeiramente popular;

infelizmente, esta 'distanciação' no espectador arrisca-se a assumir uma forma inquietante, pior que a identificação clássica: a fascinação."


"DANTON - É o tempo que nos perde. É terrivelmente aborrecido enfiarmos primeiro a camisa, depois as calças, e arrastamo-nos para a cama à noite, e de manhã arrastamo-nos para fora da cama, e andar sempre com um pé à frente do outro. Não há mais pequena esperança de que alguma vez isto mude." (A MORTE DE DANTON - Georg Buchner)



HENRI LEFEBVRE


(Extraído de la Critique de la Vie quotidienne, vol. I, ed. L'Arche.)

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