segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

teatro e vanguarda - VANGUARDA EM SUSPENSO




(trechos)



"A vanguarda é antes de mais uma rotura com o grosso da coluna, com a maioria; é também uma recusa da disciplina e do comportamento comuns."

"A recusa ao teatro estabelecido é incodicional. A vanguarda ataca o postulado fundamental do teatro burguês: existência de tipos, personagens humanos cujo choque ou atração recíproca constituem o drama; estruturas dramáticas: a anquilose dos indivíduos e das conciências; por fim, o funcionamento, aquela cumplicidadezinha dúbia no seio da qual platéia e palco se aproximam, se reúnem, para se compreenderem por meias palavras; para se refletirem mutuamente..."

"a vanguarda nega a totalidade do teatro tradicional. Como dizia Artaud: 'O teatro deve igualar-se à vida, não à vida individual, esse aspecto da vida em que os personagens triunfam, mas a uma vida liberta, que varre dela a individualidade humana e onde o homem é apenas um reflexo'."

"O teatro burguês, o nosso teatro, está esclerozado."

"Porque nestas coisas, quem vence é sempre o público. Não um público ideal, produto imaginários dos cidadãos gregos, dos senhores isabelinos, dos 'gens de robe' franceses e da multidão revolucionária."

"A grande falha do Teatro e seu duplo está aliás no fato de pensar um teatro sem pensar um público."

"Como escreveu Ionesco: 'Na origem de todas as minhas peças há dois estados de consciência fundamentais: ora predomina um, ora outro, ora se fundam os dois. Estas duas tomadas de consciência originais são a da evanescência, ou a do peso material; do vazio e da presença excessiva; da transparência irreal do mundo e da sua opacidade; da luz e das trevas profundas.' E da oscilação entre a liberdade radiosa do nada e a tirania material, elementar do mundo, diz: ...'Subitamente, a angústia transforma-se em liberdade; nada tem importância para além do encantamento de ser, da nova, espantosa consciência da nossa existência numa luminosidade semelhante à da aurora, na liberdade reencontrada; surpreendemo-nos de estar neste mundo que nos surge como ilusório, fictício, e o comportamento humano revela todo o seu ridículo, a História, a sua absoluta inutilidade; a realidade, a linguagem parecem desarticular-se, desintegrar-se, esvaziar-se de tal forma que sentindo as coisas tão desprovidas de importância, só podemos rir. Uma vez, durante um desses instântes, senti-me de tal maneira livre, ou liberto, que tinha a sensação de poder fazer o que quisesse com as palavras, com os personagens de um mundo que apenas me surgia como uma aparência irrisória, sem fundamento.
Evidentemente, este estado de consciência é muito raro, esta felicidade, este encantamento de estar num universo que não entra em conflito comigo, que já não é, que materialmente já não se mantém; a maior parte das vezes sou dominado pelo sentimento oposto: a leveza transforma-se em peso; a transparência em opacidade; o mundo pesa; o universo esmaga-me. Uma cortina, um muro intransponível opõe-se entre mim e mim próprio, a matéria enche tudo, preenche todos os lugares, aniquila o sob seu peso a liberdade, o horizonte estreita-se, o mundo transforma-se num cárcere enorme e asfixiante. O discurso fratura-se, mas agora de outro modo: as palavras caem como pedras, como cadáveres; sinto-me invadido pelas forças pesadas, contra as quais mantenho um combate do qual não posso sair vitorioso'." (Ionesco)

"existe de fato um trabalho de vanguarda comprometida no interior do próprio teatro burguês, trabalho esse que deve ser tomado em consideração, àquem de qualquer afirmação metafísica."

"É nisto, nesta função terapêutica que consiste a verdadeira função da vanguarda. Criando em cena o 'vácuo' ou revelando o seu 'pleno', separa da cena o espectador. Corta a unidade orgânica da cena e da sala, a qual fundia a certeza de uma base de valores comuns."


BERNARD DORT

(Extraído de Théatre Populaire, n. 18)

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